domingo, 21 de novembro de 2010

A educação inglesa


O Brasil - ou a parte que se acha ilustrada - adora citar, muitas vezes sem saber, a experiência anglo-saxônica como a ideal para a educação brasileira. A questão é que ela é recheada de erros grosseiros. Como estou lendo a autobiografia de Keith Richards (por algum motivo, biografias parecem que têm a obrigação de ficar entre 500 a 600 páginas ou a vida parece não ter valido a pena), vou reproduzir uma passagem do relato sobre a sua experiência escolar. Ele faz uma interessante digressão, antes de relatar o clima da escola, relacionando a concepção pedagógica do pós-guerra com a experiência militar da Inglaterra:

"Os professores eram terríveis e sua única função era manter a turba em linha. (...) Mais tarde, você se dá conta que est5á sendo avaliado e filtrado por um sistema totalmente arbitrário, que raramente, ou nunca, leva em consideração a pessoa como um todo, ou nem sequer chega a um juízo como "sim, ele pode não ser muito bom em sala de aula, mas desenha bem". (...) O pátio é o grande juiz. Lá é onde são realmente tomadas as decisões entre os colegas. Chamam de brincadeira o que acontece ali, mas a coisa é mais parecida com um campo de guerra, e pode ser efetivamente brutal, a pressão. Dois marmanjos estão dando chtes num coitandinho e acabando com a raça dele e aí o pessoal diz: "Ah, eles estão só liberando raiva".

Tudo isto me é muito familiar. Ao invés de construirmos uma escola tupiniquim, próxima à genial Escola-Parque elaborada por Anísio Teixeira, resolvemos copiar este horrível modelo anglo-saxônico que é ainda vigente. Eu me lembro, uma vez, quando corria no intervalo de aula (devia ser 4a ou 5a série), esbarrei num aluno mais velho, que comia pipoca. Parte da pipoca caiu no chão. Começou meu inferno. Todo dia ele dizia que ia me dar uma surra no final da aula. Não adiantava dizer que eu pagaria algumas toneladas de pipoca. E, pior, ele resolvia dar uns socos no meu ombro, o que deixava marcas. Meus pais não sabiam o que fazer. Meu pai chegou a quebrar um rodinho de tanta raiva. Não sabiam se partiam para cima do rapaz ou se me orientavam para que eu superasse sozinho aquela história. Acabaram me colocando em aulas de judô. Mas não adiantava. Parece que minha mãe ou meu pai acabaram perdendo a paciência e deram um chega-prá-lá no meu perseguidor. Tempos depois, já mais velho, soube que o rapaz tinha sido preso. Ele havia esfaqueado um idoso.
Tudo isto se chama, hoje, bullying. Fica mais charmoso dar um nome inglês (que coincidência, heim?) para algo que sempre existiu em nossos padrões anglo-saxões de educação hipócrita.
O que me faz lembrar de mais uma historinha. Eu dava consultoria para agricultores familiaras do sul do país. Comentava como o mercado internacional se abria para produtos brasileiros. Um agricultor, atento, saiu com esta: "Engraçado, você falou que a China come muito porco. Eu e meu pai sempre falamos porco. Aí veio um pessoal aqui e disse que o nome era suíno. Agora que eu estava me acostumando a chamar de suíno, o bicho volta a ser porco. Engraçado!"

2 comentários:

Rodrigo Machado disse...

Sou médico, e não entendo nada de educação inglesa ou mesmo brasileira. Tive atividade com alunos de ensino fundamental nos EUA, onde vivi um ano, mas foi pouco. Minha mãe é professora em escola pública e já foi ameaçada por alunos, sem nenhum respaldo da direção.
Penso que é importante se entender o ponto de vista de quem critica, que é diferente de quem cita a crítica a partir daqui. E, se nos aprofundarmos na comparação, procurar ver o que temos a partir daquele ponto de vista. E vice e versa.

Rudá Ricci disse...

Rodrigo,
Não entendi bem o que tentou expressar. Eu estudo os projetos educacionais há anos. Fui professor do doutorado em educação e escrevi muitos textos a respeito, publicados em vários países. O que posso atestar é que há um profundo divórcio entre a estratégia educacional e social anglo-saxônica e latina. Profunda. Se desejar, envio um texto que acabo de redigir que será publicado como um dos capítulos de uma coletânea sobre políticas públicas que será editada pela Publifolha (organizada por uma professora da USP).