terça-feira, 4 de maio de 2010
Sala de Aula
Tempos atrás, o tema de pesquisas na formação de professores passou a ser seu memorial e trajetória. Já temos muito material empírico a respeito. Mas venho colhendo relatos que me sugerem que o tema do momento é a sistematização sobre o que ocorre nas salas de aula. No ensino básico, não tenho dúvidas, é o caos. Mas é preciso dar visibilidade pública a esta informação. Os relatos sugerem uma situação gravíssima, onde o professor encontra uma sala dividida em grupos que se confrontam, apatia misturada com agressividade, brigas de bolinhas de papel, correria, mochilas jogadas pelas janelas da sala, alunos que saem e entram na sala. Não é raro ouvir que é comum demorar entre 20 a 30 minutos para se conseguir fazer a chamada. Professores se esgotam ou entregam os pontos. E esta realidade não é tratada pelos gestores nem consultores com verdades prontas.
Vou passar a relatar, com alguma frequência, o que eu mesmo estou percebendo nas salas de aulas das universidades. Vou relatar, pouco a pouco, neste blog, minha experiência pessoal.
Começo com o clima e uma das situações mais comuns que estou percebendo.
O Clima:
Chego à sala no horário oficial. Mas dez minutos depois, nem metade da sala está presente. Começo a organizar o ambiente, perguntando algo, revendo rapidamente o que discutimos na aula passada ou mesmo apresentando a pauta do dia. Vinte e cinco minutos depois do horário de início da aula, ainda entram alunos na sala. Muitos deles entram e falam alto com o colega ao lado (ou mesmo com colegas que estão do outro lado da sala). Alguns poucos nem conseguem segurar o sono. Já tentei várias estratégias e no momento utilizo o power point e datashow para apresentar uma sequência lógica e imagens. Me pergunto o motivo de um aluno adulto vir à aula se está com sono. O que tornou a sala de aula uma espécie de obrigação, um cenário de teatro de quinta categoria? Dá para contar nos dedos de uma mão os que demonstram ter lido mais que uma página dos textos que entreguei no início do semestre. As perguntas são tópicas. Depois da primeira prova, como sempre, o clima da sala se alterou. Até então, o clima era muito amistoso e agradável. Agora, a sala se dividiu. Obviamente que aqueles que se saíram pior estão tensos e não conseguem ver sua parcela de culpa. Agem como clientes. Não são todos, mas esses são mais agressivos e tomam a palavra dos outros. Não conseguem ponderar sobre si e até mesmo sobre a sala. Definitivamente, a universidade não é mais o espaço da leitura e da reflexão. Caiu nas garras do imediatismo e do caminho do sucesso profissional. O concurso é a parada seguinte. Concurso, concurso. Mais uma praga que destrói a reflexão mais ampla, o engajamento num projeto de sociedadade, que corrói a dúvida. A sala de aula caminha sobre a certeza, não a dúvida. Nos aproximamos da lógica dos cursinhos preparatórios para os concursos.
O argumento comum
Um dos recursos mais comuns utilizados pelos alunos universitários é a comparação. Começam por se comparar. Depois, não é raro falarem em nome de colegas invisíveis que, segundo aquele que se autopromove à condição de porta-voz, lhe disseram algo, mas não têm coragem de dizer em público. Uma ofensa imensa aos colegas que fingem que não é com eles (se é que alguém disse mesmo algo, como afirma o porta-voz). Mas, pior, o porta-voz não percebe que está afirmando que seus colegas são falsos e covardes. Fala com a cara lavada, com expressões quase angelicais. No mesmo tom, não é raro aparecer alguém que pede que o professor escreva uma apostila, se possível, com o que cairá na prova. É a Era da Apostila, obviamente fundadas na lógica dos cursos preparatórios para concursos, testes e vestibulares. Uma espécie de "fast learning" ou "supermemo". Tudo muito rapidinho, objetivo e pouco reflexivo. Imagino o que Bertrand Russell escreveria hoje, como atualização do Elogio ao Ócio. Mas a lógica da cultura estudantil é ainda mais cruel. Além de sugerirem o tipo de prato a ser servido, o tempo de cozedura, a forma de apresentação e harmonização, não se avexam em dar exemplos de recursos de outros professores. Um constrangimento só. O que um pobre professor pode dizer a respeito da aula de outro colega? E se discordar do tal recurso? Criticará o colega na frente dos alunos?
Enfim, o que relato acima, como experiência pessoal (sala de aula tem também prazer e satisfação e não é apenas isto), é a decorrência do que ocorre no ensino básico. Os professores universitários são mais recatados ao falar de suas experiências que os professores do ensino básico. Muitas vezes porque acham que pedagogia é conhecimento e tema menor. Pesquisa é a porção nobre do mundo acadêmico. Aula, por vezes, é obrigação e martírio. Não raro, alguns entregam os pontos e se tornam professores populistas. É uma estratégia de sobrevivência, sem dúvida. Mas não é educação.
Professor universitário, hoje, deve se preparar para ensinar ética. E para pensar estratégias de leitura. Os nossos estudantes, com raríssimas exceções, não lêem, não sabem organizar as idéias em papel (ou tela), não sabem trabalhar em equipe, são imediatistas. O pragmantismo não atingiu apenas a política. Já está nas salas de aula.
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