sexta-feira, 21 de maio de 2010

Programa do PPS para governo federal

Reproduzo o documento que o PPS entregou a José Serra, como contribuição à elaboração do programa de governo. Iniciativas como esta são importantes na construção da política nacional. Obviamente que alguns afirmarão que se trata de um mero jogo de marketing. Convenhamos que há modos mais eficazes de se fazer marketing político. Embora saibamos que programa de governo nem sempre se realiza na prática, a formulação indica uma ideologia, uma perspectiva. Este é o sumo do debate de idéias numa democracia. Se negamos este caminho, resta apenas o cinismo. Daí reproduzir o texto em meu blog. Tentarei reproduzir as diretrizes dos outros programas, assim que surgirem, para promover o debate neste espaço.


2010: O PPS PENSANDO O BRASIL
O desenvolvimento que queremos

Introdução
A eleição de outubro, desfecho da campanha eleitoral que se inicia, será crucial para a definição do rumo do país, seu desempenho econômico e social, assim como do papel que ocupará numa ordem mundial caracterizada pela interdependência crescente entre os países. Não é o momento de escolhas tímidas e conservadoras, nem da opção por candidatos e propostas que estão aquém das exigências da conjuntura. Num mundo em mudança acelerada, o custo da inércia, da acomodação intelectual, do refúgio nas fórmulas consagradas é pesado. Para avançar, é preciso mudar.

O Partido Popular Socialista empenha-se, agora, com os partidos que estão se coligando na construção de um instrumento político capaz de levar a alternativa da mudança ao embate eleitoral.

Apresenta, nesta oportunidade, à sociedade, aos partidos aliados e a todas as lideranças políticas e sociais interessadas em transformações reais, sua contribuição para a elaboração de um projeto comum de governo.

Nossa contribuição ancora-se em nossa história. Nossas propostas têm como norte os valores que apontam para a utopia socialista, expurgados de fórmulas que a história demonstrou falazes, atualizados pelas exigências contemporâneas. Pensamos para o Brasil uma sociedade que atenda padrões elevados de democracia, eqüidade e afluência.

Esse objetivo converge para o consenso formado nos foros internacionais: desenvolvimento não é redutível a crescimento econômico, mas abriga como dimensões necessárias a ampliação da democracia, a redução das desigualdades e a diretriz da sustentabilidade.

A história recente mostrou a um tempo a necessidade e a insuficiência dos mecanismos de mercado e do Estado para a regulação das relações econômicas e sociais. A lacuna que resta só pode ser ocupada pela cidadania organizada, pela transparência, pelo controle e participação do cidadão. Nesse sentido, a qualidade da democracia hoje é condição do desenvolvimento e é preciso um ganho expressivo de qualidade para que a democracia brasileira tenha condições de responder à altura aos desafios do presente.

Na mesma perspectiva, está claro que desenvolvimento, no sentido amplo aqui utilizado, é tarefa complexa que exige o concurso das potencialidades de todos. Manter grande parte da população à margem da produção e do consumo, como faz ainda o Brasil, apesar dos ganhos obtidos, é um desperdício criminoso de trabalho e talento, que causa perdas a todos nós. Daí a urgência do avanço no rumo da eqüidade.

Sustentabilidade, por sua vez, não mais pode ser vista como um acréscimo politicamente correto ao sistema anterior de produção. O fim da economia baseada no carbono é fato e o desenvolvimento seguirá a trilha aberta pela mudança da matriz energética. O Brasil, apesar das enormes vantagens comparativas de que goza nesse campo, está atrasado na formulação e implementação dessa mudança.

Democracia, eqüidade e sustentabilidade são os eixos da sociedade que emerge, a sociedade do conhecimento.

O atendimento às demandas simultâneas desses eixos impõe como tarefas centrais na agenda da política educação, ciência, tecnologia e inovação. Nosso desempenho no que se refere à ciência e tecnologia ainda está aquém do necessário, particularmente em relação á tecnologia e inovação. Mas o desempenho do Brasil em educação, na formação do cidadão e do trabalhador da sociedade do conhecimento, é calamitoso, conforme as comparações internacionais disponíveis.

Num mundo de interdependência crescente as relações internacionais, políticas, comerciais e culturais, assumem importância inédita. Ganham destaque, em especial, os processos de integração regional e a construção e aperfeiçoamento dos organismos responsáveis pela governança mundial.

Ambas as dimensões merecem atuação mais incisiva por parte do governo brasileiro. Afinal, é cada vez maior o número de decisões vitais para os interesses brasileiros, positivas e negativas, tomadas ou postergadas nesses organismos.

Com base nessas diretrizes, o Partido Popular Socialista apresenta as propostas que se seguem.


1 – Ampliação da democracia

A ampliação progressiva da democracia, a política da radicalidade democrática é central para o Partido Popular Socialista.

Não a vemos apenas como um objetivo normativo, mas de uma necessidade imposta pelas condições do desenvolvimento hoje.

Muito há a caminhar, em termos de aumentar a transparência dos atos governamentais e a participação do cidadão, melhorar a qualidade da representação política, sanar os desequilíbrios enormes entre os poderes da República e os níveis da Federação.

A reforma política é, para nós, um processo demorado, de acumulação de ganhos. O ponto inicial, contudo, que deve ser enfrentado na primeira hora do novo governo é a mudança da legislação eleitoral e partidária. Para haver partidos efetivos e legislativos atuantes, a regra deve mudar.

Para tanto o PPS propõe:

1.1 Reforma Política imediata em torno do voto distrital misto, com lista fechada, alternância de sexos na lista e financiamento público de campanha.

Se a mudança da regra eleitoral é o ponto inicial da Reforma, a mudança de sistema de governo é seu horizonte. Propomos, portanto,

1.2 O retorno do parlamentarismo à agenda, com a perspectiva de sua adoção em caráter experimental em estados e municípios, sujeita a aprovação popular posterior.

A partir da reforma eleitoral e partidária torna-se possível avançar na reforma democrática do estado. A proposta Bresser-Pereira, correta no essencial, pecou, de um lado, por não considerar a necessária mudança prévia na regra eleitoral, de outro por não perceber que o acréscimo de um componente gerencial em determinados segmentos do Estado deveria ser acompanhado pelo incremento da participação da sociedade civil organizada.

Assim, propomos:

1.3 A Reforma Democrática do Estado, com a redução imediata de 50% do número de cargos de livre provimento e fortalecimento simultâneo dos instrumentos gerenciais e participativos da gestão pública, dotando-a de uma necessária transparência ao escrutínio da cidadania.

Além do aumento da eficiência e da participação, está em jogo o caráter dos instrumentos utilizados pelo poder publico.

Há instâncias e organizações submetidas de forma direta à vontade popular, cujos titulares dependem da indicação dos eleitos, e instâncias e organizações outras cujo bom funcionamento depende do alinhamento a regras de caráter técnico, cujos titulares, aprovados pelos representantes do povo, dispõem de autonomia e mandato.

O PPS propõe:

1.4 A rediscussão da estrutura do Estado brasileiro, com definição clara dos limites de atuação de agências reguladoras e outras organizações relativamente autônomas e os demais órgãos do Poder Executivo.

A mudança na regra eleitoral enseja o fim da corrupção estrutural que comanda nossas eleições, bem exemplificada pela prática generalizada do chamado “caixa dois”. Será o momento de prosseguir nesse rumo e avançar nas exigências de transparência, de candidatos, partidos e governantes, bem como no fortalecimento dos mecanismos de fiscalização e controle. Propomos

1.5 A generalização do e-governo, com exceção apenas das matérias com implicações em termos de segurança nacional.


2 – Redução das desigualdades

Nos 25 anos de democracia, particularmente nos 16 últimos anos de estabilidade econômica, conseguimos no Brasil avanços significativos em termos de inclusão social e redução das desigualdades.

É preciso reconhecer, no entanto, que ainda estamos longe da situação de eqüidade mínima necessária. Pobreza e indigência caíram, mas seus percentuais continuam elevados. Além disso, parte importante dos egressos da indigência alcançaram uma situação de consumo nova, compatível com a sobrevivência, mas não foram incluídos de forma plena em termos de inserção produtiva nem de autonomia cidadã.

Para prosseguir nesse rumo precisamos de instrumentos novos de política econômica e social. O Partido Popular Socialista propõe, em primeiro lugar,

2.1 A continuidade das políticas de transferência de renda existentes, com controle maior sobre a seleção de beneficiários e a partilha de responsabilidades por sua implementação com os governos municipais.

Essas políticas têm o mérito de manter a vida dos cidadãos beneficiados. Responderam, com os aumentos continuados do salário mínimo, pela redução do percentual de indigentes da população brasileira. Não enfrentam, contudo, as questões da pobreza e da desigualdade, que exigem políticas de mudança estrutural para seu enfrentamento.

Trata-se de criar as condições para o início de um círculo virtuoso de acumulação de capital social.

Para tanto, o PPS propõe:

2.2 A educação em tempo integral como meta nacional, acompanhada de uma política rigorosa de avaliação de resultados, base para o incremento progressivo da qualidade do ensino.

A inserção produtiva é dimensão indispensável à inclusão do cidadão. Na sociedade nova, na economia do conhecimento, sob a diretriz da sustentabilidade, o mundo do trabalho se transforma. A questão do trabalho é cada vez menos redutível ao emprego.

O trabalho autônomo, o trabalho familiar, as pequenas empresas, as cooperativas, respondem em conjunto por um número cada vez maior de trabalhadores, no Brasil e no mundo. O trabalhador de novo tipo participa em maior medida que o assalariado dos riscos e dos ganhos do empreendimento.

O PPS propõe:

2.3 A formulação e implementação de uma política nacional de trabalho, que contemple o aumento do emprego, o apoio à pequena e micro-empresa, o estímulo ao associativismo e a promoção do empreendedorismo, com participação importante dos governos municipais.

No Brasil de hoje as cidades concentram a população, a pobreza e as desigualdades. O combate a esses problemas não pode prescindir da consideração da questão urbana.

Sucessivos governos têm tratado essa questão apartada da questão da desigualdade. O atual governo soube transformar o que poderia ser um importantíssimo projeto de coesão social e transformação das cidades, como desenhado no Estatuto das Cidades, em balcão de negócios para regular o direito de incorporadoras e construtoras.

Caberá ao novo governo retomar o papel da cidade enquanto lugar de afirmação das políticas públicas de promoção social e da conexão dessas políticas com a questão da sustentabilidade.

É prioritário que o novo governo invista em cidades sustentáveis, e que também promovam a equidade.

Da mesma forma será necessário que haja uma política nacional de estímulo às políticas municipais de desenvolvimento, em seu sentido mais amplo.

O PPS propõe:

2.4 A reforma urbana como política nacional, com incidência sobre a propriedade do solo, a reorganização do espaço urbano, a mudança radical do sistema de transportes e a reestruturação da oferta de serviços públicos, e

2.5 O fortalecimento do poder local, com o empoderamento dos municípios e o estímulo à participação dos cidadãos na formulação de políticas e na gestão dos serviços.


O PPS manifesta defende ainda a continuidade e aprofundamento das políticas de combate às desigualdades de gênero, raça e região. Para essa última questão propõe

2.6 A definição em implantação de uma política de desenvolvimento regional, com prioridade para a Amazônia e a região Nordeste, nos marcos da nova economia da sustentabilidade.

3 – A premissa da sustentabilidade

A controvérsia em torno da sustentabilidade como premissa do desenvolvimento está vencida. A mudança da matriz energética, o caminho na direção de uma economia não dependente do consumo de carbono é irreversível e o grau de ousadia do engajamento dos diferentes países nessa mudança será fator relevante na competição internacional.

O Brasil detém vantagens excepcionais nessa conjuntura, com destaque para a matriz energética limpa e o estoque de biodiversidade que o território nacional abriga. Faltam-nos, ainda, clareza na definição política do rumo a tomar. Todas as decisões da política econômica, inclusive aquelas relativas à velha matriz, como o projeto do pré-sal devem tomar como norte o futuro do pós-carbono.

Nesse cenário, fica clara a centralidade da política de ciência, tecnologia e inovação.

O PPS propõe:

3.1 Uma política de C&T, voltada para as exigências do novo tempo, que aumente os investimentos no setor, priorize a articulação com o setor produtivo e supere o gargalo hoje existente em termos de inovação.

Impõe-se, também, acelerar o processo de mudança da matriz energética.

O PPS propõe:

3.2 Prioridade para a expansão do uso de energias alternativas como o etanol, a eólica, a solar, a biomassa, as hidroelétricas de pequeno e médio porte, a energia nuclear, bem como para programas de aumento da eficiência no transporte e uso da energia.

Essa é uma opção política que implica mudança radical na matriz de transportes brasileira.

O PPS propõe:

3.3 A transição acelerada para uma nova matriz de transportes, com prioridade para a ferrovia e a hidrovia, em detrimento da rodovia; para o transporte coletivo em detrimento da locomoção individual.

A agropecuária brasileira, em boa parte graças ao investimento público em ciência e tecnologia, encontra-se na vanguarda da produção mundial. Cumpre superar a oposição entre agropecuária e sustentabilidade e caminhar na direção de uma agropecuária sustentável. Para tanto é necessário prosseguir no desenvolvimento científico e tecnológico com o objetivo simultâneo de aumentar a produtividade e preservar adequadamente a terra e os recursos naturais.

O PPS propõe:

3.3 Elevar o investimento em pesquisa, com ênfase na sustentabilidade e foco especial na agricultura familiar.

Esses os pontos sobre os quais devemos centrar nossa intervenção política, visando contribuir para um efetivo desenvolvimento econômico centrado na sustentabilidade ambiental e socialmente justo, fruto da inclusão produtiva de nossos cidadãos e cidadãs.

2 comentários:

Rodrigo Machado disse...

é engraçado, que ponto a ponto, há mais similaridade com Dilma que com Serra (governo Lula investiu mais em ferrovias, portal de transparência, maior abertura a democracia participativa - as criticadas conferências nacionais ganharam mais relevância).
Já as reformas políticas, só com a constituinte de Marina. Embora, retomar a idéia do parlamentarismo após dois plebiscitos é complicado.
Assim, só conchavo da direção para justificar aliança com Serra e não Marina ou até Dilma.

Rudá Ricci disse...

Sim, Rodrigo, concordo com você. Eu, no meu velho estilo quixotesco, venho conversando com o deputado Roberto Freire sobre o equívoco do PPS ser linha auxiliar do PSDB paulista. Nem do PSDB como um todo! Há, é verdade, muitos acordos feitos entre os dois partidos, cargos etc. Mas é um suicídio político no médio prazo. O PPS, assim como PSB, poderia ser uma alternativa, algo que Marina Silva está se esforçando para plantar. É falta de visão estratégica dos velhos membros do Partidão! Quem diria?