domingo, 19 de janeiro de 2014

Matéria do Globo sobre rolezinhos, comigo e Wagner Iglecias

‘Um desejo inconsciente de se integrar’

  • Analistas veem o fenômeno dos rolezinhos como um desejo de afirmação social dos jovens da periferia; repressão só incentivará movimento



Tensão. PMs detêm jovens que participavam de rolezinho no shopping Interlagos, em São Paulo, semana passada.
Foto: Joel Silva/Folhapress/22-12-2013

Tensão. PMs detêm jovens que participavam de rolezinho no shopping Interlagos, em São Paulo, semana passada. Joel Silva/Folhapress/22-12-2013
Menos motivação política e mais um fenômeno fruto do consumismo e da falta de oportunidades nas periferias das grandes cidades. A análise é de estudiosos da área da sociologia, educação e ciência política ouvidos pelo GLOBO para tentar explicar as motivações dos rolezinhos em shopping centers que ganharam repercussão nacional e internacional na última semana.
Apesar do clima de contestação social que tomou o país em 2013, o rolezinho teria poucas semelhanças com o movimento que tomou as ruas pela redução das tarifas do transporte público. Seria mais um movimento de afirmação social, embora de forma inconsciente, para a maioria desses jovens. É o que pensa o sociólogo e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Tadeu Iglecias.
— Para uma minoria, pode haver a intenção de fazer os rolezinhos para afrontar e contestar. Mas acredito que a motivação da grande maioria é a de, inconscientemente, se integrar. Quando estão ali, eles pertencem ao mundo que tanto desejam e que está longe do cenário de exclusão que vivem nas regiões mais pobres — afirmou Iglecias.
— Nos parece que eles querem ser reconhecidos como pertencentes à ordem social. Mas é importante dizer que esse fenômeno é muito novo e, por isso, o que temos são impressões, e não certezas — completou o cientista político da Universidade Federal Fluminense (UFF) Marcus Ianoni.
Na avaliação do sociólogo e educador Rudá Ricci, doutor em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), os rolezinhos são um fenômeno que cruza o aumento da utilização das redes sociais pelos jovens da periferia, por meio de smartphones, com a inclusão pelo consumo das classes mais pobres nos últimos dez anos.
Segundo ele, os rolezinhos já acontecem em várias capitais do país há cerca de cinco anos, mas ganharam uma dimensão maior nos últimos dois, com a adesão maior de garotas ao fenômeno social e a maior disputa entre os garotos para promover os eventos sociais:
— Não é nenhum evento politizado, eles odeiam política, está no Facebook deles. Pode ter uma leve acidez social, mas ela é quase marginal entre esses jovens — avaliou.
Todos eles destacam, entretanto, que há que se distinguir os tradicionais rolezinhos de outras ações que podem estar pegando carona no fenômeno para fazer saques e vandalismo. Na opinião dos especialistas, os rolezinhos são fruto de um contexto econômico bem específico: pleno emprego, ampliação do crédito e consumismo nas classes mais baixas.
— Quem é pobre e mora nas periferias sempre foi excluído. Há um tempo, eles não tinham a chance de sair de lá. Hoje em dia essa nova geração vive na era do pleno emprego e do consumismo e não se contenta em ficar no gueto. O garoto da periferia vê a mesma propaganda na TV que o jovem de um bairro rico. O consumismo está presente na vida dele e, com isso, o desejo de fazer parte daquela sociedade que o exclui diariamente — disse Iglecias.
Por outro lado, a infraestrutura nesses locais não acompanhou o aumento de renda. Há falta de áreas de lazer, centros culturais e esportivos. É nesse contexto, explica Iglecias, que os shopping centers se inserem como principal espaço público.
— O shopping é a praça dos dias de hoje. É a referência de espaço para convívio e diversão que se tem nas periferias — afirmou.
Para Rudá Ricci, o shopping center é um local que concentra o que eles desejam consumir e se tornou um centro de convivência próximo ao local onde eles moram:
— Eles gastam meio salário mínimo por mês, em média, só em roupas e tecnologia da comunicação. Então, o shopping center é o local que concentra todas as lojas que eles gostam de comprar. É o espaço deles, não tem invasão nenhuma. Por isso que eles não vão aos shoppings centers próximos aos locais onde moram — avaliou.
Marcus Ianoni diz que os rolezinhos tornaram evidente um “apartheid difuso" que persiste no Brasil.
— Existe um apartheid difuso. Esse fenômeno leva novamente à reflexão sobre a necessidade de políticas públicas para as periferias.
O futuro dos rolezinhos é uma incógnita, dizem os especialistas. Mas eles acreditam que a repressão policial e episódios de discriminação podem ser um estimulante para esses jovens e ainda levar outros movimentos a se juntarem à causa.
— O discurso do direito de ir e vir e de circular livremente pela cidade tem muita afinidade com o que defende, por exemplo, o Movimento Passe Livre — avaliou Iglecias.

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