1) Cresce no Brasil o número de evangélicos, em especial o grupo de neopentecostais. Este grupo representa o ressurgimento de uma sociedade mais conservadora?
R: Sim. Mais conservadora e materialista, por contraditório que pareça. Materialista porque grande parte dos seguidores, e do discurso dos líderes, atinge o cerne da mudança social que vivemos no Brasil, neste momento: a ascensão social. São seguidores que querem o sucesso, a estabilidade social e a ascensão permanente. E negociam esta ascensão a partir da fé. É o que se denomina de “privatização da fé”. Há exceções, mas meras exceções. A agressividade política é, também, uma marca. Algo como uma Cruzada dos justos contra os impuros e perseguidores. Forma-se uma comunidade com todos traços de auto-defesa. Não há espaço para contradições ou dúvidas. E há solidariedade apenas entre pares. Para todos os que não fazem parte da comunidade, do time, resta o descaso ou até desprezo.
2) A que se deve o crescimento desses grupos religiosos na esfera política do país?
R: Um atalho social e uma resposta instantânea ao mundo cada vez mais exigente e arriscado. Também a tentativa de negação dos males que podem significar pecado ou tentações que jogam os impuros numa pena, a pena da pobreza e da exclusão. Max Weber dizia que aos pobres e excluídos resta a esperança no futuro, num futuro mágico, já que o passado reproduz o sofrimento do presente. É o contrário do ideário das elites, que se pautam pelo passado e tradição para se afirmar. A partir daí há dois caminhos no plano político: o da criação de um poderoso curral eleitoral utilizado por alguns; e a confusa criação de uma espécie de mundo paralelo. Explico este mundo paralelo. O que ocorre é a condenação do mundo da mercadoria e da falta de fé. Contra este mundo, cria-se um caminho para a salvação e uma Cruzada contra o mal. A política aparece como uma intersecção entre o mundo paralelo, do Bem, e o mundo do Mal. Os políticos eleitos a partir desta Cruzada se sacrificam, nesta leitura mágica, para defender o Bem e coibir o Mal. Entram nesta casa que os coloca em risco, porque não faz parte do mundo do Bem. Por isto se sacrificam como líderes e se apresentam como os mais preparados.
3) Conhecidos pela defesa da família e por se opor a políticas públicas que aprovem o aborto e a união homoafetiva, por exemplo, esses políticos possuem um eleitorado segmentado apenas em seus rebanhos (igrejas)?
R: Não. O discurso é voltado inicialmente para sua base, mas é óbvio que se espraia para todo segmento conservador da sociedade brasileira. O final do primeiro turno das eleições presidenciais passadas revelou o potencial deste eleitorado, nem sempre fiel às igrejas. São essencialmente membros da nova Classe C, que representam 55% da população brasileira. Pesquisa recente revelava que este estrato social acreditava essencialmente em sua família (83%), mas em nenhuma outra organização social. São consumistas e conservadores porque suas famílias estiveram sempre juntos, em todo histórico de penúria. Há, portanto, um grande lastro para o discurso conservador em nosso país.
4) Existe uma preocupação de que estes grupos religiosos, uma vez que possuam boa articulação, resultem em fenômenos parecidos com os que são notados atualmente na política america, cujo expoente é o próprio Tea Party. O Brasil pode ver o surgimento de um grupo político radical no tocante às questões religiosas?
R: Sim. Mas veja que o Tea Party não é tão unitário como aparece. Eles se dividem em mais de 600 grupos e organizações, com ideário nem sempre muito coincidente. Há divisões e pautas que transitam entre o conservadorismo e o fascismo. Acredito que no Brasil o pensamento conservador é difuso, sem linha programática nítida. É um sentimento que nasce do ressentimento ou elitismo. Ressentimento de quem quer abandonar um passado de exclusão e elitista por aqueles que não querem ver seu mundo de privilégios ser invadido por estratos sociais que ascendem e consomem agressivamente. Assim, não há grande unidade em relação a uma pauta ou ideário conservador no Brasil. Mas as lideranças religiosas podem fazer esta ponte. Hoje, me parece que apenas elas podem dar unidade ao conservadorismo brasileiro.
5) Na eleição do ano passado, temas como aborto, por exemplo, acabaram pesando tanto na candidatura de Dilma quanto na de Marina Silva. A população brasileira é conservadora em relação a estes assuntos?
R: Sim, majoritariamente. Mas perceba que em relação à manifestação pública, demonstram força de mobilização muito próxima. Este é o caso da Parada Gay e da Marcha com Cristo. As duas ocorreram em São Paulo quase que simultaneamente e arrastaram a mesma multidão às ruas. O conservadorismo brasileiro é difuso e só parte é organizado. Aí está um problema sociológico interessante: as mobilizações sociais recentes (não confundir com conceito de movimento social) indicam polarização e não o predomínio do conservadorismo.
6) Muitos políticos se colocam como chamados por Deus para a política. Como o senhor analisa este tipo de discurso? Ele tem realmente força no eleitorado?
R: Apenas parcialmente, como já expliquei anteriormente. Se tomarmos como base as eleições passadas, o discurso nitidamente conservador e/ou fundamentalista atrai algo ao redor de 10 milhões de eleitores brasileiros. Mas isto não significa que sejam eleitores vinculados a um político ou líder específico e nem mesmo que o eleitorado vinculado á uma igreja pentecostal ou neopentecostal vote necessariamente numa proposta mais conservadora. A Assembléia de Deus (22 milhões de fiéis) afirma ter 22 deputados federais e controlaria a Frente Parlamentar Evangélica (que integra, ainda, 14 parlamentares vinculados à Igreja Batista, 7 à Universal do Reino de Deus, 8 à Presbiteriana, 3 à Quadrangular, 3 à Internacional da Graça, 1 à Sara Nossa Terra, 1 à Mundial do Poder de Deus, 1 à Cristã do Brasil, 1 à Maranata, 2 à Renascer em Cristo, 1 à Nova Vida, 1 à Brasil para Cristo, 1 à Comunidade Shamá, 1 à Cristã Evangélica, 1 à Luterana e outros 6 sem denominação de sua igreja). A Igreja Universal do Reino de Deus se articula ao redor do PRB (Partido Republicano Brasileiro). Enfim, não há ainda uma relação tão direta, já que as motivações ao conservadorismo ou ultra-conservadorismo sejam múltiplas.
7) Qual a avaliação do senhor a respeito do futuro destes grupos evangélicos e carismáticos na política. Deverá haver um crescimento?
R: Há espaço para crescimento, mas não acredito que seja ocupado facilmente. Os brasileiros não gostam de violência e desconfiam da política partidária. O partido mais querido no Brasil é o PT, com pouco mais de 20% do eleitorado que o segue (este partido conta com um deputado federal batista e um prebisteriano). Os outros partidos despencam para menos de 8% de aprovação do eleitorado. Nas eleições presidenciais do ano passado, o discurso ultra-conservador atraiu parte do eleitorado que, no segundo turno, recuou em função da estabilidade econômica e ascensão social garantida. Enfim, os interesses pessoais, que também se confundem – como já afirmei – com certa religiosidade, nem sempre convergem para o voto ideologizado. Em outras palavras, o interesse ou a instrumentalização da política é ainda maior em nosso país que o voto ideológico ou religioso.
8) A ascensão destes “políticos igreijeiros” possuem relação ao fato de que grande parcela da população que se diz religiosa (de acordo com estudos da FGV, por exemplo) não possui um grau elevado de escolaridade?
R: Não necessariamente. É fato que o eleitorado com maior escolaridade é mais liberal em termos de comportamento, mas conservador em termos políticos. O conservadorismo brasileiro, reitero, é difuso e atinge muitos estratos sociais.
9) Para muitos, o Estado Laico representa um ganho para a democracia. Como estabelecer políticas públicas para o bem da coletividade com o crescimento de grupos políticos religiosos?
R: Impondo limites e reafirmando o Estado Laico. Um Estado de caráter religioso é sempre autoritário, excludente ou fascista. O Estado Laico é justamente a garantia de todas religiões se expressarem, e até mesmo os ateus. Sinto que travamos, neste momento, uma escolha em relação ao futuro de nossa democracia justamente em função destes limites necessários. A defesa dos direitos civis é garantia desta laicidade.
10) Estes grupos podem culminar em extremismos? Para eles, a bandeira religiosa está acima do debate social e político?
R: Este é o risco. Imaginar que há um Deus que faça escolhas entre seus filhos. Esta interpretação geraria a divisão da espécie humana. Temo o discurso fundamentalista, que divide a espécie e agride os diferentes, fundado no pensamento comunitarista, excitado emocionalmente e fechado na defesa de seus membros. Os grupos e comunidades defendem interesses, mas não direitos. E são justamente os Direitos que definem a espécie humana.
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