quinta-feira, 10 de junho de 2010

Artigo da semana: a prática político-partidária

Raio X do jogo político
Por RUDÁ RICCI
Como cientista político ouço, com freqüência, jovens e adultos afirmarem, meio que constrangidos, meio que orgulhosos, que não entendem nada de política. Não se referem às teorias da ciência política, obviamente. Referem-se ao jogo político. Pouco entendem, embora desconfiem que existam mais coisas não ditas do que as ditas pelos líderes partidários.
Pensei em ajudar a compreender o jogo a partir do que ocorreu recentemente em Minas Gerais, num jogo intenso e rápido que acabou por definir a aliança eleitoral entre PMDB e PT. Utilizo este jogo como mera ilustração, não havendo qualquer intenção de esgotar a análise sobre a situação em si.
O que o eleitor desavisado sabia e possivelmente ficou sem entender deste jogo?
Ele sabia:
1) Que Fernando Pimentel e Patrus Ananias são lideranças do mesmo partido, o PT;
2) Que Hélio Costa é o candidato do PMDB ao governo mineiro;
3) Que Lula quer um acordo geral com o PMDB para eleger Dilma Rousseff, candidata à Presidência da República. Esta informação não deve ser muito popular ou de fácil compreensão. Algumas pesquisas de antropologia política indicam que o brasileiro que não vive nos grandes centros urbanos adere ao jogo de lideranças (algo que retoma a tese central de Sérgio Buarque de Holanda, sobre a intimidade como elemento das relações políticas em nosso país). É difícil entender como o interesse de parte da “turma do Lula” não é o interesse de Lula. O certo seria que a “turma que não gosta do Lula” criasse problemas para ele e não seus correligionários;
4) Um eleitor pouco mais informado sabia que Fernando Pimentel disputou com Patrus Ananias duas vezes, recentemente: no processo que elegeu a direção do PT mineiro e na escolha do candidato ao governo mineiro. Nas duas disputas, Pimentel venceu.

Até aí, tudo bem. Mas o que o eleitor desavisado viu e ouviu nos últimos dias?
1) Que o candidato do PT ao governo mineiro era Fernando Pimentel;
2) Que os petistas – da direção estadual – fizeram uma reunião e reafirmaram que Pimentel era o candidato, tendo como proposta para ser seu vice um ex-aliado de Aécio Neves, o presidente da Confederação Nacional do Transporte (CNT), Clésio Andrade. E que teria como sugestão para o senado o candidato ao governo do PMDB, Hélio Costa.

O eleitor desavisado deve ter se perguntado, duplamente: Mas o Hélio Costa não é candidato do PMDB para a sucessão de Aécio? E onde estaria Patrus Ananias?
As dúvidas devem ter aumentado em seguida, porque no dia seguinte ao anúncio desta proposta de chapa, os petistas se reuniram em Brasília e anunciaram que a chapa lulista será: Hélio Costa ao governo e Pimentel ao senado. Pimentel estava lá, em Brasília, ao lado de Hélio Costa. Deu para entender? Dificilmente.

Então, o que de fato ocorreu?
O que ocorreu, de fato, foi tudo o que não se viu ou se falou em público.
No campo do PT mineiro, Fernando Pimentel e Patrus Ananias travam uma intensa disputa pelo comando do partido. Pimentel, quando prefeito, desmontou todo programa e estrutura política montada por Patrus. Desmontou a Escola Plural e baniu a maior referência intelectual das formulações educacionais petistas, o professor da UFMG Miguel Arroyo. Fatiou as administrações regionais entre lideranças que lhe deram apoio e burocratizou o orçamento participativo. Promoveu reforma administrativa que aumentou o poder central e debelou a participação popular no processo decisório. Substituiu a inversão de prioridades orçamentárias (mais recursos para as áreas sociais e periferia em detrimento das áreas centrais, mais abastadas e de grandes obras) por grandes investimentos em obras públicas.
Mas foi na última eleição municipal que as diferenças ficaram nítidas. Pimentel, ainda prefeito de Belo Horizonte, aliou-se com Aécio Neves e lançou um candidato à sua sucessão que personificava esta aliança. E apoiou, mesmo sendo prefeito, inúmeros candidatos do interior mineiro, figurando em santinhos distribuídos nos grotões. O estilo era visivelmente oposto ao de Patrus.
A partir de 2009, os apoiadores de Patrus começaram a esboçar uma reação. Ministros e ex-ministros, como Luiz Dulci e Nilmário Miranda, deputados de peso, como André Quintão, prefeitos, como Eliza Costa e Marília Campos, um time de peso reagiu ao avanço de Pimentel. Mas Pimentel já havia avançado sobre a estrutura partidária e sobre prefeitos e parlamentares que poderíamos denominar de “baixo clero petista”. Aí está a força do pragmatismo do neo-petismo do século XXI: na burocracia partidária e no baixo clero. Em outros termos, o neo-petismo não é tão público, tão conhecido pelas grandes massas. Somente alguns de seus expoentes aparecem.
O problema é que o bloco de Patrus não é tão agressivo em disputas internas. Faz parte da primeira geração petista, aquela da rua, das manifestações públicas e do discurso moralista e mobilizador. Não faz facilmente acordos de interesses.

Outra disputa que dificilmente foi percebida foi a do ex-ministro Antonio Palocci com Fernando Pimentel pela coordenação geral da campanha de Dilma Rousseff.
Pimentel, enfim, estava emparedado e logo se viu quase-derrotado. Algo como aquela frase de morte para qualquer político: “nadou, nadou e morreu na praia”. No último minuto do segundo tempo do jogo, parecia que perderia o controle da campanha de Dilma e a legenda para o governo estadual mineiro. O acordo com Hélio Costa já era previsível porque Lula já havia dito com todas as letras, antes de sua viagem para o Oriente Médio, que este seria o candidato da base aliada em Minas Gerais. Mas era necessário medir forças entre Patrus e Pimentel. E as forças foram medidas. Pimentel venceu. O partido estava em suas mãos. Poderia sair com abnegado e assumir a campanha de Dilma. Mas como fazer isto se, de uma hora para outra, parecia descartado por Lula e pelo Planalto? Não se tornaria uma promessa não cumprida para os olhos dos analistas políticos? E foi, premido pelo imprevisível, que deu sua última cartada. Um dia antes da data final que o lulismo impôs para definir o candidato em Minas, realizou uma reunião surpresa e montou uma chapa ainda mais surpreendente. O que pretendia? Criar um fato político para, aos olhos dos militantes petistas mineiros, sair como mártir. Tudo porque manteria a vitória do início do ano (sobre Patrus) em suas mãos. O pior dos mundos seria perder a coordenação de campanha de Dilma para Palocci e sair como senador, de cabeça baixa. Publicamente teria sido duplamente desautorizado. Pior ainda se Patrus fosse indicado como vice na chapa de Hélio Costa. Seu principal adversário petista voltaria à cena.
Daí o jogo arriscado. Saindo como mártir, criaria constrangimento a Patrus. A militância entenderia que houve articulação nacional, com possível participação de Patrus, contra Pimentel, o escolhido da base partidária.
O jogo, contudo, foi tão rápido e de vida tão curta que Pimentel saiu chamuscado da mesma maneira. O constrangimento á Patrus se efetivou. E a base partidária não entendeu. Foi tão humilhante que até lideranças históricas não agüentaram. Sandra Starling, a primeira candidata petista a disputar o governo mineiro, em 1982, escreveu uma emocionada carta e anunciou sua desfiliação do PT.

Este jogo ajuda a apreendermos algumas lições da prática política:
a) Em política partidária não existem duas palavras: nunca e sempre. Quem diz que nunca se aliará à outra força está blefando ou exercita uma bravata;
b)Em política partidária, a versão é muito mais popular que o fato. Todos se esforçam para interpretar e distorcer o que parece evidente;
c)Em política partidária, os líderes e agrupamentos são mais importantes que o próprio partido. Tão importantes, que líderes e agrupamentos de partidos adversários fazem acordos de bastidor e, não raro, se respeitam mais que entre os líderes e agrupamentos de seus próprios partidos;
d)Em política oficial, como dizia Napoleão, as circunstâncias mais irrelevantes produzem os maiores acontecimentos;
e)Em política oficial, como dizia Cardeal Mazarin, deve-se ter informação sobre todos, não confiar seus próprios segredos a ninguém, mas colocar a sua perseverança em descobrir os dos outros. Para tanto, dizia, deve-se espionar todos de todas maneiras;
f)Finalmente, como se percebe com esta breve ilustração, os partidos não representam os cidadãos. Os líderes partidários, muitas vezes, não representam nem mesmo a base partidária, dos filiados de seus partidos.

Recentemente ouvi um termo novo: desintermediação. O autor do termo queria dizer que vivemos um mundo onde não há mais intermediários de interesses. Este seria o caso dos partidos políticos, dizia. Eu assino embaixo desta leitura. Os partidos são estruturas burocráticas de tipo empresarial. Mas do tipo empresarial tradicional, ao estilo taylorista em que a cúpula pensa e planeja e os filiados fazem e dão o sangue pela “causa”. O partido em si vive uma interminável guerra de posição, onde um agrupamento procura desestabilizar o outro diariamente. Ser profissional da política, nos dias atuais, é pensar diariamente em como mexer as peças do tabuleiro de disputa nesta guerra de posição.
Daí porque, quando um jovem chega perto e diz que não entende nada de política, logo fico desanimado. O que vou responder? Que o que ele vê não é o real?