quarta-feira, 12 de maio de 2010

Relatos de Sala de Aula: ENEM e apostila


Ontem foi dia de inovação e destempero entre estudantes do Ensino Médio. A UFMG decidiu que a primeira fase de seu vestibular (até então, com questões fechadas) será substituída pelo ENEM. A TV Globo me chamou para gravar uma entrevista dentro de um cursinho pré-vestibular. A diretora da instituição estava indignada, o que estimulou os alunos a organizar uma manifestação. Aí, foi ela que me deixou indignado. Não acho que o papel de um educador é estimular estudantes para defender um negócio. Porque cursinho é um negócio, que vive às custas da necessidade de memorização dos alunos. Nada mais. Acabei discutindo com ela, na frente dos alunos. Expliquei que há dois anos o MEC articula a substituição do vestibular das universidades federais pelo ENEM. Perguntei para os alunos que nos rodeavam se eles foram informados sobre isto. Eles disseram que não. Eu argumentei que aquele cursinho deveria ter explicado isto para eles. A diretora mudou o argumento e disse que o reitor anterior havia empenhado sua palavra que não mudaria o sistema este ano. Ocorre que houve eleição para reitor na UFMG e o eleito não é da mesma corrente que o anterior.
O fato é que o ENEM substituirá, gradativamente, todos vestibulares que, hoje, no Brasil, são realizados por universidade ou faculdade. Este é o modelo utilizado nos EUA. Faz-se uma prova nacional. Na graduação, eles precisam fazer o Scholastic Aptitude Test (SAT), exame que tem questões de matemática, leitura crítica e redações. Cada parte do teste vale 800 pontos. Mais de 2 milhões de estudantes prestam o SAT por ano e podem escolher entre as várias datas determinadas pelo College Board, entidade que administra o exame. Na parte escrita, além das redações, há questões em que é preciso melhorar parágrafos e corrigir sentenças. Elas têm graus variados de dificuldade e são misturadas. O candidato pode começar com matemática, pular para leitura crítica, fazer uma redação e voltar para a matemática. O SAT serviu de inspiração para o novo Enem. O exame brasileiro vai usar, como o americano, a Teoria da Resposta ao Item (TRI), modelo matemático em que as questões são pré-testadas para determinar seu peso na pontuação. Tanto que, no SAT, algumas questões não valem para o resultado final. O College Board as coloca no exame apenas para o pré-teste.
O ENEM, inicialmente, se baseou nas teorias de Inteligências Múltiplas, elaborado por Howard Gardner (Projeto Zero, da Universidade de Harvard) e foi concebido por Nilson José Machado (matemático, do pós-graduação em educação da USP).
A revolta dos alunos era a "surpresa" e o "aumento de competição". Surpresa? Dois anos sendo anunciada a intenção pelo MEC e ainda dizem que há surpresa? Um aluno bem preparado teria dificuldades em algum tipo de teste de conhecimento? Aí está o problema. Os alunos que estudam em cursinhos preparatórios são cobaias de técnicas de memorização. A começar pelas apostilas, "feitas por Deus", já que não apresentam teorias e teses contraditórias. O mundo das apostilas é linear, um imenso playmobil em que uma página se encaixa à anterior, formando um todo com sentido. Como se o mundo e a história fossem lineares e com sentido único!!!
O mundo real não é feito de uma única alternativa dentre múltiplas possibilidades. E também não é linear. O mundo real não é feito por certezas prescritivas. Nem por simulados.
Aí o aluno entra na faculdade e aguarda uma nova apostila. Não consegue pensar por contraditórios, por pensamentos opostos. Porque foi treinado (este é o conceito) para pensar linearmente. O bom e o ruim, o certo e o errado, o preto e o branco, a verdade e a mentira. O mundo seria muito mais fácil se fosse assim. E muito mais chato.

Nenhum comentário: