Assisti, estes dias, a velha tática de fazer festa e alarde para encobrir a reflexão. Eram os de sempre festejando a lei de responsabilidade fiscal. Os editores do Jornal Nacional, direi que são ingênuos e incautas por respeito, alardearam o que está na superfície da lei, que foi elaborada com o exclusivo interesse de gerar superávit primário para pagamento de dívida e não para o bem social. Tanto que a partir da lei, os investimentos públicos - não federais - diminuíram na área social. Mas este é o debate parcial que parece corrente em nosso país. Um país cujo debate sobre políticas públicas fica sempre na superfície do jogo eleitoreiro e partidário. Um jogo entre membros da mesma casta e que nunca envolvem os cidadãos como jogadores.
Para dar ao menos o sinal do contraditório, vou reproduzir algumas passagens do texto didático produzido para a Federação Interestadual de Sindicatos de Engenheiros – FISENGE, por um time de craques sobre o tema: François E. J. de Bremaeker (economista e geógrafo, do Instituto Brasileiro de Administração Municipal), João Roberto Lopes (cientista político e pesquisador do Ibase), João Luis da Silva (Rede de Cidadania), Luiz Mário Behnken (economista, do Conselho Regional de Economia do Rio de Janeiro - Corecon/Rj e Coordenador Executivo do Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro), Mirelli Malaguti (Fórum Popular do Orçamento do Rio de Janeiro), Ruth Espínola Soriano de Souza Nunes (economista, do Instituto de Políticas Alternativas para o Cone Sul – PACS), Sérgio Almeida (engenheiro – Federação de Sindicatos de Sindicato de Engenheiros – Fisenge).
Destaco uma breve passagem da cartilha "Eu, tu, ele e o nosso dinheiro":
A Lei de Responsabilidade Fiscal limita o grau de endividamento de cada município. A primeira vista parece até que esta lei é muito boa. No entanto, ela é cruel, pois determina também que o município destine parte do que arrecada para pagar suas dívidas. Considerando que a população carente é numerosa e a arrecadação de impostos é pequena, o pagamento de uma dívida pode não ser o prioritário para a população.
A dívida não pode estar acima da vida. E mais: que dívida é essa? Como ela foi feita? Estamos devendo a quem? Em que foi aplicado o dinheiro? Na maioria dos casos os Municípios fizeram dívidas porque deixaram de pagar as obrigações patronais (INSS e FGTS) porque tinham de optar entre pagá-las ou custear uma série de serviços que deveriam ser de responsabilidade dos Estados e do Governo Federal. E esta despesa chega a superar a 10% do orçamento de uma Prefeitura a cada ano. Agora grande parte dos Municípios está sendo pressionada a pagar estas dívidas, só que não têm recursos para fazê-lo e continuar a pagar as despesas dos Estados e do Governo Federal. O que fazer? Pagar ou diminuir a qualidade dos serviços oferecidos à população. Mas existe um outro tipo de dívida que pode ser mais grave. É quando ela tem origem nos empréstimos que foram contraídos para a realização de obras. É preciso saber se valeu à pena fazê-las. E até mesmo saber se o seu custo estava correto. Neste caso é preciso investigar paras saber se o dinheiro foi bem aplicado: e se for o caso, fazer uma denúncia ao Ministério Público, para que o dinheiro mal aplicado seja devolvido aos cofres públicos. Lembre-se que é o seu dinheiro!
Esta reflexão, que ao menos cria um contraponto ao discurso festejado sobre esta lei, acaba por se relacionar com um debate que participei recentemente, em Brasília, durante um seminário do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) a respeito da reforma tributária. Numa das mesas, Palocci e Mabel, os dois parlamentares que dirigiam os trabalhos sobre a reforma, expunham os princípios da proposição: simplificação e apaziguamento entre entes federativos. Simplificação era a bandeira dos empresários (por sinal, estavam em peso neste evento) e apaziguamento acalmava os ânimos dos governadores. Nós, da sociedade civil, sentimos um frio na espinha. Afinal, anos e anos de luta pela democracia e ampliação de direitos para ser jogado num evento de luxo? Dona Zilda Arns tomou a palavra e perguntou, com toda a calma do mundo: "e o princípio da justiça social? Não entra? E a garantia dos investimentos em saúde e educação?". Palocci tomou a palavra e revelou grande incômodo. Foi discorrendo e respondendo a questão pelas beiradas. E disse, mais ou menos o seguinte: "em relação á saúde, temos três saídas. A primeira: incluir no texto da reforma. Acho meio impossível, porque não haverá acordo. A segunda: taxar bebidas e cigarros. Acho que pode aumentar a inflação, no caso das bebidas, e o mercado negro de cigarros. A última alternativa é recriar a CPMF".
E assim, a nave se vai. Percebemos que o acordão vai na direção de se criar nova fonte de recursos para custear saúde e educação. A tendência é desobrigar a vinculação da arrecadação regular com gastos sociais. Educação sendo custeada pelo pré-sal (que, aliás, sejamos honestos, Palocci vem lutando para que o Fundo Social do pré-sal honre com investimentos sociais efetivamente) e saúde pela CSS (o que seria a nova CPMF). E assim, o orçamento federal estaria livre para continuar criando o ambiente ideal de investimentos e crescimento, mesmo com pouca justiça social. Porque a justiça social, assim como diziam antigamente, brota dos investimentos e pleno emprego. Seria pensamento ingênuo e simplório, se não fosse dito por gente tão experiente.
Mas o Jornal Nacional não tem tempo para ser profundo e crítico. Além de lhe faltar vontade.
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