quinta-feira, 13 de maio de 2010

Ainda sobre a CNBB


Valéria Borborema, internauta que faz parte da comunidade que acessa este blog, alertou para o comentário muito genérico que fiz sobre a cisão interna na CNBB (ver comentários na nota abaixo, sobre a CNBB). Tentarei ser mais explícito nesta nota:
1) A CNBB possui uma espécie de acordo tácito entre o "centro" e os militantes da Teologia da Libertação. Presidência para os primeiros e coordenação das pastorais com o segundo bloco;
2) Contudo, parte do bloco que historicamente se vinculou à Teologia da Libertação se cindiu nos últimos anos. Um pouco - mas muito pouco - em virtude da superação de certo economicismo da Teologia da Libertação. Há um acordo para se tentar pensar uma teologia mais holística e já se citou muito o que se produz atualmente na Ásia em termos teológicos;
3) A divisão ocorreu principalmente em virtude da frustração com o governo Lula (em especial, após a crise aberta com o mensalão e a transposição do São Francisco) e o isolamento político-social de muitos agentes pastorais. O lulismo desconsiderou a agenda das pastorais sociais e a própria ascensão da nova classe média diminuiu o apelo do discurso que orientava a ação de muitos segumentos sociais que se sentiam marginalizados;
4) A decorrência desta nova situação gerou divisão em vários blocos, envolvendo agentes pastorais e bispos "progressistas". Uma parte decidiu evitar a partidarização por considerar que o sistema partidário estaria completamente corroído moralmente. Um segundo bloco se aproximou do discurso ambientalista, o que cria uma certa química com a candidatura de Marina Silva. E um terceiro bloco continua fiel à Teologia da Libertação clássica, o que os mantém dialogando com Plínio de Arruda Sampaio, candidato á Presidência da República pelo PSOL;
5) Com a cisão dos "progressistas", o centrão da CNBB se sente mais livre para fazer valer seu passe de fiel da balança. Daí a projeção dos conservadores da CNBB. Não por aumentarem seu peso numérico, mas em virtude do racha do bloco que está no outro extremo.
Enfim, o lulismo vem alterando profundamente o mapa político do país. Daí porque tenha que ser estudado como fenômeno social e político, fugindo da gangorra meramente eleitoreira. Não se trata de ser a favor ou contra. Trata-se de entender o Brasil de hoje.

7 comentários:

Valéria Borborema disse...

Obrigada pela aula, Rudá. Seu blog não é apenas uma diário. Considero-o um estímulo à reflexão que, infelizmente, parece não ter lugar na imprensa atual, que, diga-se de passagem, deveria ser o habitat natural de debates esclarecedores.

Marcelo Delfino disse...

Eu sempre fui favorável que o Vaticano intervenha na CNBB, nomeando uma Presidência mais tradicional (mais próxima do Papa e da ortodoxia do credo católico) que nomeasse todos os agentes das pastorais da CNBB. Mas parece que o papa Bento XVI não é tão conservador como dizem. Diria até que é conivente com a CNBB.

Enquanto isso, vemos esse racha entre os bispos vermelhos: as luletes incuráveis (praticamente co-fundadores do PT) e as luletes arrependidas, que andam se arrastando para o lado do PSOL.

Desejo todo sucesso aos conservadores, que nunca tiveram o poder efetivo na CNBB. Tomem o poder, então!

Rudá Ricci disse...

Penso exatamente o oposto. A CNBB precisa manter a independência desde o período de dom Hélder. Com isto, é mais fiel ao Brasil, ao catolicismo brasileiro. Sua proposta geraria artificialismo.

Unknown disse...

Meu Caro, Você diz que há uma parcela de Bispos que acham que "o sistema partidário estaria completamente corroído moralmente." Não seria o macaco a falar do rabo alheio?

Rudá Ricci disse...

Toinzim,
Se for por aí, vamos ter que impor a lei do silêncio para 98% dos terráqueos. Daí a diferença entre razão instrumental e crítica.

Marcelo Delfino disse...

Se a minha proposta parece ser pelo artificialismo, pouco me importo. O que importa é que a CNBB está hoje numa crise de finalidade sem precedentes. Não ajuda plenamente a Igreja Católica nem a sociedade civil como um todo, exceto pela adesão incondicional ao projeto Ficha Limpa, que o senador Jucá disse que não é prioridade do Governo Lula.

É preciso tentar algo diferente na CNBB. Diferente de tudo que já foi feito desde a fundação. Uma gestão conservadora ou ultra conservadora (com ou sem intervenção do Vaticano) seria ser uma experiência interessante.

Rudá Ricci disse...

Macelo,
O que acho interessante é que vocês, de direita, sempre têm o respeito de nós, de esquerda. Veja que lhe dou espaço para propor intervenção na CNBB. Mas seu blog está cheio de frases de desprezo e ataque ao pensamento de esquerda. Esta é nossa diferença: vocês, de direita, querem ganhar na força. E nós, de esquerda, na inteligência e no debate. A direita só dirigirá a CNBB na força ou tapetão. A direita dificilmente combina com ética e respeito humano. Daí o problema de ser hegemônica na CNBB.