domingo, 2 de maio de 2010

Artigo: aliança PT-PSDB

PT e PSDB Aliados
Por RUDÁ RICCI
Em ano eleitoral, os partidos procuram se diferenciar. No caso brasileiro, também procuram afirmar que seus líderes e militantes fazem parte de um todo, de uma unidade coesa e visível até mesmo à distância, bastando visualizar as cores e número oficial de cada partido. Sob o manto da sigla, todos filiados seriam iguais, uma comunidade a pensar e propor um país único. Este é um dos mitos fundacionais do nosso sistema partidário que não existe. Por culpa do Partido dos Trabalhadores esta história teve um interregno, durante os quinze primeiros anos de existência deste partido. Em sua origem, o PT atacava todo sistema político. O PSDB, ao surgir anos depois, ao tentar se diferenciar do que os petistas denominavam de “farinha do mesmo saco”, assumiu a tarefa de polarizar, desde sempre, com a “novidade”. A polarização foi a saída intuitiva para também se tornar algo distinto da tradição.
Mas em anos de lulismo, a tradição partidária tupiniquim retornou. PT e PSDB continuam, por força do passado recente e ânsia de poder, a polarizar. Um diz que o outro se parece com o Dodó professoral de Alice no País das Maravilhas. Também se acusam de parecer a Duquesa irritadiça ou o Chapeleiro Maluco. De fato, os dois partidos fizeram do sistema partidário um amplo jogo de cartas que nunca termina e em que todos parecem fadados a serem decapitados.
Mas ousaria dizer que este mito fundacional parece estar se corroendo aceleradamente. O sociólogo francês Alain Touraine, amigo pessoal e ex-professor de FHC (também amigo de José Serra), chegou a afirmar que o futuro do Brasil seria a união dos irmãos siameses, PT e PSDB. Em 2004, Touraine já percebia que o Brasil entraria com independência no clube das grandes potências, tese apresentada no seminário da Academia da Latinidade, evento que teve sua última versão encerrada na semana passada. Naquele ano, afirmou que os governos de FHC e Lula faziam parte de um mesmo projeto, mesmo que não sendo exatamente iguais. Teriam, os dois governos, construído um novo sistema político no Brasil.
Faço esta provocação para sugerir cautela aos militantes mais afoitos que gritam palavras de ordem, postam mensagens em blogs e twitter e perdem o sono por um deslize de seu candidato tucano ou petista como se sua honra estivesse em jogo.
Ocorre que não há exatamente projeto partidário no Brasil, mas de grupos articulados ao redor de uma liderança. Grupos internos – que o PT, um dia, denominou de correntes – hoje transitam (ao menos os grupos hegemônicos em seus respectivos partidos) por entre partidos e outros agrupamentos que, externamente, parecem adversários. O Brasil pós-FHC e pós-Lula tem um sistema partidário mais frágil, absolutamente controlado por tais grupos internos, de tipo neopatrimonialista. Lulismo, cada vez mais, independe do PT. Aécio Neves e tucanos paulistas disputam o PSDB, mas já publicou na grande imprensa, por mais de uma vez, que o governador mineiro poderia se deslocar para o PSB ou PMDB, justamente porque é maior que o PSDB. Ciro Gomes foi outra liderança que recentemente demonstrou que é distinto de seu partido, o PSB. Marina Silva é maior que PV, partido que trava com esta liderança um cabo de aço. Até mesmo um aparente partido programático como o PSOL trava uma disputa de foice no escuro a partir de suas estrelas maiores, a começar por Heloísa Helena e Plínio de Arruda Sampaio. O sistema partidário brasileiro é absolutamente corroído pelo personalismo e por projetos de poder pessoais, em todo seu espectro.
Tanto é verdade que o partido mais consolidado e nacionalizado do país, o PMDB, somente agora se organiza (desde fevereiro deste ano) para elaborar um programa para o Brasil. Não apenas para assumir o governo efetivo do país, mas porque vislumbra que o tabuleiro do jogo político parece ter se alterado e converge. Converge para afastar definitivamente as lideranças não filiadas a partidos do processo de tomada de decisão política do país. As agendas nacionais voltam a ser definidas em acordos entre os agrupamentos de políticos profissionais. E aí, PMDB volta a ter força, não apenas voto. Daí somente agora procurar intelectuais para elaborarem um programa para o Brasil.
Este é o feito político maior de 16 anos de FHC e Lula no poder: a sociedade civil perdeu seu posto e o respeito pelos profissionais da política. A sociedade civil não é tão significativa para definir os rumos do país como no último processo constituinte. O PAC, possivelmente, é a expressão mais visível de como as organizações sociais mais engajadas, que bradavam e incomodavam anos atrás, são absolutamente desconsideradas pelos donos do poder.
E, por este motivo, não há como fugirmos de um horizonte possível da aliança entre PT, PSDB e PMDB, forjada quase clandestinamente por seus agrupamentos internos (não necessariamente por decisão formal de suas instâncias dirigentes). PMDB, no caso, como fiel da balança e, para nossa surpresa, o contato mais direto com o Brasil real e plural. Sim, porque o lulismo fala para as massas consumidoras emergentes do centro-norte do Brasil e os tucanos paulistas para a tecnocracia e racionalismo centro-sul do país. Lulismo e tucanos paulistas, ao contrário do que pregam, não conseguem falar e criar empatia em todo país ou mesmo entre a maioria dos brasileiros. Este Brasil do sistema partidário tradicional, que exclui a sociedade civil de uma real participação na formulação da agenda de Estado, é um país de agrupamentos políticos que se aproxima de peças de um quebra-cabeça. Isolados, tais agrupamentos não conseguem unir o país. PMDB se amolda mais fielmente à pluralidade regional, mas ele mesmo, como partido, não consegue formular uma síntese. Os outros dois grandes partidos dividem o país. E, todos, já perceberam a necessidade de superação.
Nas últimas eleições municipais, PT e PSDB se aliaram em 1.058 municípios (sendo que em 55 os petistas encabeçaram a chapa e em 46 foram os tucanos os cabeças de chapa, ocorrendo coligações nos outros 688 casos sem que PT ou PSDB estivessem á frente da disputa do executivo; em 161 municípios, PT apoiou informalmente as chapas encabeçadas pelo PSDB e em 108 casos ocorreu o inverso) e venceram em 245, governando juntos. Em Minas Gerais, terra da aliança eleitoral mais comentada nas eleições de 2008, os municípios de Belo Horizonte, Congonhas, Açucena e Oriente apresentam uma importante convergência de agenda e programa, onde PSDB e PT governam juntos (mesmo indiretamente, como é o caso de BH). Os expoentes maiores desta aliança são Aécio Neves e Fernando Pimentel. Algo que a grande imprensa paulista e carioca se recusa a admitir. Em Minas Gerais, aliás, os dois partidos que parecem externamente inconciliáveis governam 123 cidades.
Também não teria sido mero casuísmo PT e PSDB terem formado recentemente a mesa diretora da Câmara Federal. O mesmo pode ser dito a respeito da pregação pela aproximação dos dois partidos que o governador Aécio Neves e o ministro Tarso Genro fizeram nos últimos dois anos.
Portanto, que os militantes mais incautos se aprumem. A possibilidade de aliança e até mesmo coalizão entre tucanos (talvez, envolvendo tucanos não paulistas) e lulistas é mais certa do que ano eleitoral pode sugerir. Os obstáculos para a aproximação são cada vez menores. Os líderes partidários historicamente inimigos já fazem parte de uma geração de políticos que começa a dar sinais de seus últimos movimentos e são paulatinamente substituídos por lideranças mais técnicas e profissionais. Este é o caso da geração de Aécio Neves, Eduardo Campos, Eduardo Paes, Jacques Wagner, para citar alguns novos líderes que entram na cena política e que até então estavam no banco de reservas.
Os obstáculos de hoje são poucos. Dois são mais difíceis de serem removidos: a herança privatista da gestão FHC e a gana de poder de tucanos e petistas paulistas. Um terceiro obstáculo já está sendo removido paulatinamente: a disposição de enfrentamento dos militantes de base e dos cargos de confiança de ambos os partidos. A herança FHC parece um divisor de águas que incomoda, pouco a pouco, até tucanos. Com a mudança de foco das gestões tucanas, tal herança será superada. Mas o complicador é o perfil excessivamente agressivo e arrogante das lideranças paulistas, que se distinguem da tendência à concertação do restante do país.
É neste sentido que Aécio Neves e Marina Silva apareceram como fio de esperança para muitos nestas eleições. Os outros candidatos são por demais paulistas, mesmo não tendo nascido em São Paulo ou construído suas carreiras fora deste Estado. A questão central, no caso, é o estilo político, fortemente demarcado pelo discurso tecnocrático, impessoal e impositivo, que pouca empatia gera no eleitor não paulista.
Assim, a polarização eleitoral deste ano é algo ruim para o Brasil e para nossa democracia. Ruim porque não cria uma aparência muito distinta do que efetivamente ocorre no sistema partidário. Reafirmo que o Brasil não possui um sistema partidário consolidado e parece mais dirigido pela vontade de agrupamentos e líderes. Líderes que, em grande parte, se movimentam para acordos e alianças entre si (nem sempre sendo articuladas a partir de seus partidos).
A polarização é ruim porque infatiliza militantes e eleitores. Somos levados a acreditar que existem projetos distintos e metodologias opostas. Cada vez mais esta é uma verdade que só tem validade para montagem de peças publicitárias e de marketing.
E, finalmente, a polarização eleitoral deste ano, entre lulismo e tucanos paulistas não envolve efetivamente o país. Não se trata de uma escolha democrática, que nasce do seio da sociedade. Trata-se de um arranjo entre grupos, em que o lulismo solapou tantos outros candidatos petistas (Antonio Palocci, José Dirceu, Marta Suplicy, Fernando Haddad, Tarso Genro, para citar alguns) e tucanos paulistas solaparam a candidatura tucana mais festejada, a de Aécio Neves.
O ideal seria que o sistema partidário se encontrasse com o país. Mas se é pedir demais, que ao menos os brasileiros compreendam efetivamente o que ocorre na política oficial real.

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