sexta-feira, 17 de abril de 2009

Uma exceção de um corinthiano


Meu filho é saopaulino (onde terei errado?). E é jornalista. Escreveu uma crônica sobre o acidente que afastou Rogério Ceni da final do Paulistão e da Libertadores. Corujismo à parte, achei um belo texto e decidi socializar com o leitor deste blog:

"Um estalo em um insípido e insosso campo
Thiago Ricci

Quando começaria a tempestade de críticas e palpites sobre o desempenho e futuro do maior ídolo sãopaulino, eis que o destino pregou uma daquelas peças que só ele é capaz. Em um lance despretensioso de uma singela recreação ouviu-se um estalo. Estava naquele momento decretada a tristeza dos tricolores, dos amantes do futebol e dos odiadores da trupe do Morumbi. Afinal, qual graça tem vencer o pragmático esquadrão de Muricy sem ver a cara de decepção do arrogante guardarredes?
Ao mesmo tempo, uma reluzente sensação apareceu nos corações dos atuais tricampeões brasileiros. Um flash digno de apresentar a personagem linda, simpática e apaixonante do filme hoollywoodiano. Graças à tragédia reservada ao maior símbolo do time, que, por um capricho do perfeccionista roteirista, passava a pior fase da carreira, criou-se uma comoção vermelha, branca e preta.
Uma grande mistura de sentimentos, todos pró-Ceni. Bateu um aperto, que só é capaz ter quando algo muito querido – e não menos frequente no dia-a-dia – corre o risco de perder-se. Exemplos clássicos não são difíceis de relatar: a importância que só é percebida quando aquela namorada insuportável, o pai chato ou o chefe exigente e mal-humorado vai embora para sempre. A assustadora fratura também causou outra sensação.
O goleiro que carrega uma sobressalente pirâmide nasal estava cometendo constantes falhas – fato incomum na carreira. Mais do que isso, passava insegurança até ao mais distante sãopaulino. De repente, como um estalo, esse mesmo torcedor foi obrigado a fazer uma profunda reflexão, que certamente resultou a uma enorme carga sobre a consciência. Como ele foi capaz de culpar ou duvidar da capacidade do homem que levou ao Cícero Pompeu de Toledo dois Mundiais de Clubes, duas Copas Libertadores, duas Copas dos Campeões Mundiais, uma Supercopa da Libertadores da América, uma Recopa Sul-Americana, três Campeonatos Brasileiros, três Paulistas... Como? Ó torcedor injusto!
Tudo isso é muito bonito, tudo isso é muito belo. Mas a consequência mais nobre que a ruptura de uma estrutura de cálcio causou ainda não foi abordada nesta crônica. Por causa desse trágico e lindo desastre, milhares de tricolores paulistas acordaram de um insolente cochilo, causado por anos de frequentes e sem graça conquistas. Não, este que vos escreve não está menosprezando títulos nacionais e muito menos está louco. Mas alguns fatores, analisados com frieza alemã, levam a essa extraordinária conclusão.
Primeiro, a forma como os troféus foram abocanhados. Apesar de justa e inquestionável, a fórmula de pontos corridos propicia que se conheça um campeão com várias rodadas de antecedência. Fato repetido em 2006 e 2007 – exceção feita ano passado. Além disso, o esquema criado por Muricy, quase incapaz de sofrer revés, é um mar sem ondas, artificial. Se existe a segurança de não sofrer gols inesperados, é perturbadora a certeza da falta de magia em campo.
Além disso, o mundo do futebol brasileiro não está acostumado a grandes hegemonias. Mal comparando, é como se a Faixa de Gaza amanhecesse em uma calma digna de uma manhã fria de Campos de Jordão. Que graça têm as discussões quando um sãopaulino está incluído nela?
Intimidado pela chegada do Ronaldo e pelo fortalecimento dos rivais, o São Paulo pode, enfim, voltar a se gabar da firme presença na mídia. O departamento de marketing, até há pouco limitado a criar camisas extravagantes, pode retornar a fazer belas iniciativas – no domingo já haverá distribuição de 60 mil faixas semelhantes à usada pelo ferido capitão e os jogadores entrarão em campo com a camisa 1. Até atacante esquecido no Japão voltou aos jornais.
Pena constatar que, mais uma vez, o homem precisa receber um grande susto para dar importância às riquezas da vida. Nos resta torcer que o meioambiente ache alguma alternativa mais branda do que a prevista no filme Fim dos Tempos, de M. Night Shyamalan."

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