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Fui assistir o filme. Omais grave problema: didatismo. A parte final chega a ser ridícula.
Haja estômago para digerir tantos números. É a velha guerra das pesquisas que está de volta, dando as caras a cada eleição. Com um detalhe: pesquisa boa mesmo, aquela confiável, que o candidato manda fazer sem registro no TRE, essa ele não divulga, não faz parte da guerra, serve unicamente para informação própria. Não se quer dizer, com isso, que as outras não sejam confiáveis, mas a divulgação delas, por vezes, sim. É o caso de pesquisa em que os candidatos mudam de nível de intenção de votos sem que se consiga enxergar de onde houve a migração. Um sobe, o outro não, e não se vê de onde vieram os números. Essas não são confiáveis, embora façam parte do universo eleitoral. De forma que, dia sim, dia também, há sempre uma pesquisa na praça. Bom para os institutos, bom para os que gostam de fazer apostas na esquina dos aflitos, bom também para a mídia, que sempre tem uma cesta de números à sua disposição, embora nem sempre seja, de fato, bom para o eleitor que, em casos assim, é tratado como massa de manobra. A Justiça faz que não vê e talvez seja melhor. Uma época, um atento juiz eleitoral de Montes Claros desconfiou que estava havendo manipulação de números e proibiu a divulgação das pesquisas antes que delas ele tivesse conhecimento. A intenção era das melhores, mas a repercussão foi ruim, como sempre. Mas tudo isso para dizer que estamos em plena safra das pesquisas. Em todas elas, de certa forma, embora não seja apropriado comparar uma com a outra, há uma tendência de paralisação do candidato Hélio Costa - que, no entanto, se mantém na liderança - e uma firme ascensão do seu adversário Antonio Anastasia. São dados "indesmentíveis", ainda que um número ou outro possam parecer estranho em algumas situações. Mas isso significa que a coligação que mantém a candidatura de Hélio Costa deve redobrar o trabalho e a vigilância. É de se estranhar, por exemplo, que em determinada pesquisa todos os indecisos que mudaram de condição o fizeram numa mesma direção, o que parece pouco provável. Mas isso é o de menos.
Se, para o governador Antonio Anastasia, o que conta é manter a trajetória de sua campanha, no caso de Hélio Costa é ora de repensar a estratégia, ainda que com muita cautela. Uma dessas mudanças, se é que isso pode ser considerado como mudança, é chamar o PT à responsabilidade. Até aqui, Hélio Costa vem se mantendo na liderança por conta de seu próprio capital. Pode-se até dizer que o PT ou parte do PT ajudou-o a não cair. Pode ser. Mas, mesmo antes da aliança com o PT, Hélio Costa sempre esteve acima dos 40 pontos percentuais. Isso significa que o capital do PT ainda não entrou no caixa da coligação. O partido de Lula está devendo.
Ora, pelo que se sabe, o pior desempenho da coligação PMDB-PT tem sido em Belo Horizonte e na Região Metropolitana da capital, exatamente onde o PT tinha grande manancial de votos - tinha a prefeitura da capital, tem o segundo maior colégio eleitoral, que é Contagem, e ainda tem Betim, para ficar apenas nesses três grandes municípios. E é sabido que, das duas maiores lideranças do PT no Estado (o vice de Hélio Costa, Patrus Ananias, e o candidato ao Senado, Fernando Pimentel), é Pimentel quem tem o domínio do PT em BH. Contudo, é exatamente nessa área que o PT está ausente. De forma que o assunto, pela sua relevância, deverá ser levado à presidenciável Dilma Rousseff e ao presidente Lula na próxima semana. No fundo, o que se quer é que o PT faça a sua parte e que o presidente Lula dê a sua contribuição para alimentar a aliança que ele mesmo incentivou em Minas. Para bom entendedor, meia palavra basta.
Todos que se dizem eleitores de Serra (em MG) parecem certos dessa decisão. Outro fato que me pareceu curioso é o de Serra não ter até agora, falado mal do Lula. O que me leva a crer, que alguns pesquisados identificam os ataques, feitos pelo Serra à Dilma, como ataques dirigidos ao Lula. Imagem dos dois já está
associada. Dilma é percebida como continuidade e assim, ao atacá-la, está se atacando Lula.
Já no Rio... parece que há apenas, um candidato à presidente e dois à governador. A cidade do Rio e Araruama são territórios do Cabral. Campos de Garotinho e seu candidato, Peregrino. Imagens de Dilma e Lula em todos os lugares e associadas à três senadores: Picciani, Crivela, Lindenberg.
Travei o seguinte diálogo, com uma entrevista na cidade "X", do interior do RJ:
- O que você está anotando aí?
- Estou fazendo pesquisa eleitoral.
- Ah... achei que estava anotando os nomes de quem quer vender votos... pra presidente vendo o meu por cento e cinqüenta. Aqui, o de prefeito vale cinqüenta...
- Aqui, tem muita compra de votos?
- Sempre teve...
A audiência do horário eleitoral, ainda é baixa. Quando questionadas sobre programa eleitoral, alguns citaram a entrevista do JN. Apesar de não serem questionadas sobre a participação dos presidenciavéis no telejornal, avaliam positivamente a participação, de Dilma, à quem dizem "parecer segura", e negativamente Serra; dizem " não transmitir confiança". Outros dizem " não parecer sincero".
Minha tese é de que o Produto Nacional Bruto da Felicidade é quem está comandando o processo de escolha. Sem ufanismo, eis minha leitura : a maioria da população brasileira está satisfeita com o governo Lula. O presidente colou o voto ao bolso dos cidadãos. Logo, o voto gera alimento para o estômago. Geladeiras cheias, fogões com chamas acesas fazendo comida farta. Produtos da linha branca enchendo as cozinhas. Carro novinho, mesmo que seja simples, na porta de casa. Até o dinheirinho para o lazer está à disposição. Há uns 20 programas de Lula que, somados, formam o que chamo de Produto Nacional Bruto da Felicidade. Passaporte para Dilma.
Serra, um discurso troncho
Questões que devem inquietar os marqueteiros : por que votar em Serra ? Por que o eleitor está insatisfeito ? Por que vota em candidato mais preparado ? Por que Serra é mais experiente ? Ora, tais argumentos só funcionam junto a estratos que estão acima do meio da pirâmide. O voto racional pode ir para Serra, mas é um sufrágio menor. Serra, na verdade, carece de um discurso menos vago. Se prometer mudanças, perderá muitos eleitores. Que temem alteração substancial nas regras do jogo. Se disser que vai aperfeiçoar, a questão surge : como ? Aperfeiçoar é um verbo abstrato.
Serra centralizador
A campanha do ex-governador paulista, ademais, carece de planejamento, de organização. Serra é quem decide tudo, ao sabor do humor. Dorme tarde, lá pelas 4 da manhã, acorda pelas 8h/9h, cheio de sono e ressaca eleitoral. Fica com o humor à flor da pele. Agora decidiu concentrar a campanha no Triângulo das Bermudas, Rio, São Paulo e Minas Gerais. Campanha de corpo a corpo. Aí se concentra o maior eleitorado brasileiro. Haverá tempo de diminuir a distância ?
Programa velho
O programa de Serra na TV é velho, cheio de bolor. Mostra o que fez e o que poderá vir a fazer. Imagens antigas, de arquivo, e falas pontilhadas pela didática do professor em sala de aula. Uma chatice. E, para chegar ao cúmulo do contra-senso, aparece Lula no programa. Como Serra vai justificar a imagem de Lula, se, na sequência, vem uma saraiva de balas contra o governo de... Lula ? A isso chamamos de dissonância cognitiva. O eleitor é induzido à dúvidas. E, ao final do processo, tende a concluir que Serra está querendo enrolá-lo. E que Dilma é a candidata do presidente. Gonzalez, o marqueteiro de Serra, parece ter perdido o eixo.
Pode até ser que a candidatura José Serra à Presidência experimente alguma oscilação estatística até o dia 3 de outubro. E fatores imprevisíveis, como se sabe, são capazes de alterar o rumo de toda eleição. Não há como negar, portanto, chances teóricas de sobrevida à postulação tucana. Do ponto de vista político, todavia, a campanha de Serra parece ter recebido seu atestado de óbito com a divulgação da pesquisa Datafolha que mostra uma diferença acachapante a favor da petista Dilma Rousseff. A situação já era desesperadora. Sintoma disso foi o programa do horário eleitoral que foi ao ar na quinta-feira no qual o principal candidato de oposição ao governo Lula tenta aparecer atrelado... ao próprio Lula.
Cenas de arquivo, com o atual presidente ao lado de Serra, visaram a inocular, numa candidatura em declínio nas pesquisas, um pouco da popularidade do mandatário. Como se não bastasse Dilma Rousseff como exemplar enlatado e replicante do "pai dos pobres" petista, eis que o tucano também se lança rumo à órbita de Lula, como um novo satélite artificial; mas o que era de lata se faz, agora, em puro papelão. Num cúmulo de parasitismo político, o jingle veiculado no horário do PSDB apropria-se da missão, de todas a mais improvável, de "defender" o presidente contra a candidata que este mesmo inventou para a sucessão. "Tira a mão do trabalho do Lula/ tá pegando mal/... Tudo que é coisa do Lula/ a Dilma diz/ é meu, é meu." Serra, portanto, e não Dilma, é quem seria o verdadeiro lulista. A sem-cerimônia dessa apropriação extravasa os limites, reconhecidamente largos, da mistificação marqueteira. A infeliz jogada se volta, não contra o PT, Lula, Dilma ou quaisquer dos 40 nomes envolvidos no mensalão, mas contra o próprio PSDB, e toda a trajetória que José Serra procurou construir como liderança oposicionista. Seria injusto atribuir exclusivamente a um acúmulo de erros estratégicos a derrocada do candidato. Contra altos índices de popularidade do governo, e bons resultados da economia, o discurso oposicionista seria, de todo modo, de difícil sustentação em expressivas parcelas do eleitorado. Mais difícil ainda, contudo, quando em vez de um político disposto a levar adiante suas próprias convicções, o que se viu foi um personagem errático, não raro evasivo, que submeteu o cronograma da oposição ao cálculo finório das conveniências pessoais, que se acomodou em índices inerciais de popularidade, que preferiu o jogo das pressões de bastidor à disputa aberta, e que agora se apresenta como "Zé", no improvável intento de redefinir sua imagem pública. Não é do feitio deste jornal tripudiar sobre quem vê, agora, o peso dos próprios erros, e colhe o que merece. Intolerável, entretanto, é o significado mais profundo desse desesperado espasmo da campanha serrista. Numa rudimentar tentativa de passa-moleque político, Serra desrespeitou não apenas o papel, exitoso ou não, que teria a representar na disputa presidencial. Desrespeitou os eleitores, tanto lulistas quanto serristas.
PROPAGANDA DA PETISTA É A MAIS BEM AVALIADA; ENTRE QUEM VIU, ELA TEM 24 PONTOS A MAIS QUE SERRA
Para ilustrar o peso da TV na composição do voto do brasileiro, pesquisa Datafolha feita há um mês mostrou que 88% dos eleitores costumam utilizá-la para se informar sobre os candidatos.
Entre os habitantes do Nordeste de baixa renda, por exemplo, os que se informam exclusivamente pela TV são 71%.
Pesquisa Datafolha divulgada neste sábado (21) pelo jornal Folha de S.Paulo mostra a candidata do PT à Presidência, Dilma Rousseff, com 47% das intenções de voto, contra 30% de José Serra (PSDB) e 9% de Marina Silva (PV). Na pesquisa anterior, divulgada no último dia 13, a petista tinha 41%, contra 33% do tucano e 10% da candidata do PV. Os outros candidatos não pontuaram. Nos votos válidos (em que são distribuídos proporcionalmente os dos indecisos entre os candidatos e desconsiderados brancos e nulos), Dilma vai a 54%. Ou seja, teria acima de 50% e ganharia a disputa em 3 de outubro. Na pesquisa espontânea para o primeiro turno, Dilma Rousseff aparece com 31% das intenções de voto, contra 17% de José Serra. No levantamento anterior, a candidata do PT tinha 26%, contra 16% do presidenciável do PSDB.
(...) ressalvas os pressupostos subjacentes à teoria do capital humano (educação influenciando renda) e à noção de empregabilidade - a qualificação potenciando as chances de inserção e permanência dos indivíduos no mercado de trabalho - visto que as relações observadas, apesar de apresentarem efeitos positivos em certos casos, não podem ser vistas como evidências desses pressupostos. Pelo contrário, constatações como a de que o salário elevado reduz a empregabilidade dos indivíduos com maior escolaridade, por um lado, e a de que a escolaridade não tem efeito tão marcante sobre a renda nos levam a relativizar os pressupostos mencionados. (...) Os números que relacionam o impacto do nível de escolaridade na empregabilidade da população estudada indicam variações pouco significativas entre as taxas de empregabilidade para os diferentes graus de escolaridade. É digno de nota o fato do grupo sem escolaridade formal (analfabetos) apresentar a mesma taxa de empregabilidade do grupo que possui o segundo grau completo.
1. Fortalecer a mensagem de mudança com dois ou três assuntos de impacto. Obama fez um bom começo ao fortalecer a mensagem de "mudança" em Denver. Eu acredito bastante na eficácia de campanhas políticas emocionalmente evocativas onde as mensagens são embasadas em valores e as grandes questões do momento estão apresentadas dentro de mensagens fortemente emocionais ao invés de estarem escondidas nas entrelinhas de declarações partidárias.
2. Dados de pesquisas mostram claramente: candidatos que pensam que campanhas devem ser "debates sobre as grandes questões" perdem (Dukakis, Gore e Kerry fizeram esta abordagem). Obama fez o mesmo durante alguns meses, mas, em seguida, inverteu o rumo fazendo uso da sua extraordinária capacidade de inspirar. A mudança foi no jantar Jefferson-Jackson no estado de Iowa (em novembro de 2007), quando seu discurso colocou-o de volta no caminho para a nomeação. Ele e sua equipe tomaram a decisão correta de fortalecer uma mensagem simples, em vez de aborrecer os eleitores com uma grande lista de reivindicações com 12 pontos (como fez a Hillary).
3. Até agora Obama não fez o que todo candidato vitorioso desde Ronald Reagan fez: apresentar dois ou três "temas principais" onde informa ao público americano onde está o seu coração, lealdade e valores. A mensagem dos “temas principais” deve ilustrar para os eleitores os caminhos para onde o candidato pretende levar o país. Um dos temas principais de Bill Clinton era “Acabando com a assistência social que conhecemos”. Outro era um argumento forte sobre a economia, abordando as preocupações da população com a recessão, herança de Bush pai (este foi um golpe de mestre porque a economia sempre foi um dos “temas principais” do direito).
4. No entanto, Obama ainda não abraçou nenhum assunto, tornando-o "propriedade" dele. Deveria ter sido parte da narrativa mestre de sua campanha desde o início. Ele poderia facilmente ter entrelaçado sua própria história, de um jovem que cresceu sem pai com a mensagem tradicionalmente conservadora (mas quintessencialmente humana) de valores familiares. Obama poderia apresentar um plano para trazer os homens dos centros urbanos de volta as suas casas, escolas e postos de trabalho onde estarão longe de uma vida de crime. Um tema principal desses também iria proteger o candidato contra ataques raciais furtivos.
5. Com a economia, saúde, energia e segurança nacional todos em perigo, Obama pode tomar dois ou três desses assuntos e torná-los "seus". Se tivesse feito isso energicamente, é possível que os Democratas tivessem mantido os 30 pontos de vantagem que tinham seis meses atrás neste assunto. Lamentável, hoje os eleitores estão quase divididos meio a meio sobre a questão da energia. É um empate amargo que acontece no meio da uma gritaria vil de McCain (eis um dos “temas principais” dos republicanos): "Perfura aqui! “Perfura agora!".
6. Um novo tema principal da campanha poderia oferecer uma chance de investir em nossas crianças e no futuro da nossa nação com mudanças na legislação tributaria sobre deduções para educação. Assim, todos os dólares poupados para a escola dos filhos, da creche e a faculdade, poderiam ser dedutíveis. Esses planos darão dezenas de milhões de eleitores milhares de razões (em dólares economizados) para votar a favor de boas políticas públicas.
7. Se Obama queria romper com seu partido, ganhar os votos de republicanos moderados e independentes, e tentar algo novo que possa melhorar todas as nossas escolas, ele poderia permitir deduções em impostos federais, mas não estaduais ou municipais, para pais da classe média que mandam seus filhos para as escolas (particulares) de sua escolha, incluindo escolas paroquiais (católicas).
Com poucas esperanças de chegarem ao início da propaganda na TV empatados com Dilma Rousseff, os tucanos ainda procuram a fórmula do que consideram essencial para alavancar a candidatura de José Serra: desqualificar a petista e mostrar que ela “não se sustenta” sem o presidente Lula. Para os aliados, Serra, apesar da vantagem de Dilma nas pesquisas, não deve mudar o estilo nem o discurso. Também não veem motivos para grandes alterações no roteiro de viagens, coordenado pela senadora Marisa Serrano. A saída, afirmam, é traçar um cenário negativo de um possível governo da ex-ministra. Em outra frente, procuram um meio de enfrentar a “acomodação” dos simpatizantes. A percepção é que os eleitores de Serra não estão mobilizados para conquistar novos votos e não embarcaram no discurso anti-Dilma.
(...) Eleito governador, José Serra parecia pronto para a escalada rumo à presidência da República. As eleições presidenciais foram encarniçadas. Sem dispor de cargos executivos, o ex-presidente FHC e senadores como Arhur Virgílio e Tasso Jereissatti, estimulavam o clima de guerra, o único no qual poderiam ganhar espaço junto ao PSDB. O pêndulo do partido se inclinaria inevitavelmente para os governadores. (...) Terminada as eleições, com os ecos das baixarias ainda muito fortes, escrevi um artigo dizendo que tinha chegado a era dos negociadores. Serra tinha formação de centro-esquerda, não tinha acertos de conta com a biografia - como FHC com Lula -, seria o negociador, o governador com capacidade para conduzir uma interlocução de alto nível com o governo federal, enterrando a loucura que havia tomado conta da oposição e da mídia. A partir dali, o país entraria na era do amadurecimento político, com oposição e situação disputando quem faria melhor governo, teria as melhores propostas, sem intenções golpistas, sem dossiês, sem o clima terrível inaugurado pelo pacto espúrio de 2005 com a mídia. No artigo, dizia que a única esperança de Serra se consolidar seria enterrar o fernandismo e inaugurar definitivamente o serrismo. (...) Assim que recebeu o artigo pelo mailing, ele me ligou. Disse que, em geral, concordava com minhas posições, mas não naquela visão de romper com o fernandismo. «Ele é meu amigo, me apoia», me disse. Estranhei a conversa. Não estavam em jogo amizade ou coisas do gênero, mas a afirmação de um novo conjunto de idéias, de uma nova liderança, o que só poderia ser feito se se enterrasse o modelo anterior, desenhado e conduzido por FHC. Como inaugurar uma nova era no PSDB sem consumar o enterro da anterior, que o partido carregava como uma bola de ferro amarrada aos pés? Desligado o telefone, fiquei tentando entender a conversa. Aí caiu a primeira ficha. Lembrei-me de uma cena ocorrida alguns anos antes que se fixara em algum lugar da memória e agora voltava à tona. Foi no período em que ACM saiu atirando para todo lado. (...) Tinha um almoço com Serra no mesmo sábado no qual saíram as entrevistas com ACM. Ele ligou remarcando em lugar mais discreto. Almoçamos no restaurante do Hotel Cá Doro. As entrevistas haviam sido violentas. (...) No almoço, disse claramente a Serra que FHC era muito contemporizador, mas agora não tinha saída: ou destruía ACM ou seria destruído. Serra ouvia e de vez em quando soltava comentários no estilo «faço e aconteço». «É por isso que não me querem na presidência porque sabem que em dois tempos acabo com eles», comentou. Na época tinha credibilidade para esse tipo de bazófia e acreditei piamente que ele acreditava no que dizia. Segunda-feira tinha palestra em Brasília. Por volta do meio dia estava a caminho do aeroporto quando recebi telefonema do Serra. Perguntou se poderia almoçar com ele e FHC no Alvorada. Pedi para o taxista dar meia volta e fui para lá. Durante algum tempo ficamos os três conversando na sala. Ali, pela primeira vez, pude entender melhor a relação entre ambos. (...) Serra, desde que se tornara Ministro de FHC tinha por hábito, nas conversas, de criticar todas suas decisões, dizer-se melhor preparado para a presidência e contar como faria melhor isso ou aquilo. Todos jornalistas sabiam disso e achavam engraçado. Mesmo com muitas conversas em off, minha percepção, até então, era de um FHC frágil, pouco determinado. E era impressão generalizada. (...) Mas o que via na minha frente, ali no Alvorada, era algo que não batia com minha percepção sobre os dois políticos. FHC estava à vontade, falava bastante. Serra estava inibido, sorumbático, monossilábico. (...) Antes de ir para a mesa, Serra virou-se para mim e pediu que repetisse para FHC o que havia lhe dito no almoço de sábado. Repeti, disse que ou FHC destruiria ACM, ou seria destruído por ele. FHC não perdeu a bonomia. Como se tivesse tratando de um problema banal, disse: - O António Carlos está esperneando porque sabe que está perdido. Vai ser cassado por causa do vazamento do painel de votação do Senado. O caso do vazamento ainda não ganhara os jornais. Não piscou, não perdeu a segurança. Era o Príncipe em estado puro, frio, senhor da situação, analista absoluto de todos os desdobramentos da maior crise que enfrentara. Olhei para o Serra, minha esperança de futuro grande estadista do país. E vi apenas um político assustado, inibido pela presença e pela análise de situação de FHC. Fiquei algum tempo sem entender direito. Porque Serra precisou de mim para transmitir um recado que, se ele tivesse o poder de que se jactava, teria sugerido pessoalmente a FHC? Mais que isso: parecia desconhecer a determinação de FHC. Será que aquela inibição que testemunhei no almoço, quase um temor reverencial, era a regra nas suas relações pessoais? (...) No fundo, jamais conseguiu se desvencilhar da influência massacrante de FHC. Não propriamente nas ideias, mas na capacidade de decidir, de se mover no cenário político, na frieza ao tratar com os grandes perigos, na clareza de definir slogans mobilizadores de campanha, da segurança de saber o que queria. E FHC sempre conheceu Serra como a palma da mão. Daí a relutância permanente em abrir espaço para ele - que Serra interpretava como medo da sua competência. Daí as ressalvas permanentes, as dicas que passou no perfil que a revista Piauí traçou sobre Serra. Durante os quatro anos como governador, comeu na mão de FHC. Através dele, montou o pacto com a mídia que lhe permitiu exercitar seu esporte predileto: fuzilar reputações de terceiros, pedir a cabeça de jornalistas, atuando nos bastidores. Foi a FHC que recorreu em pânico, em janeiro, querendo se afastar do cálice da candidatura a presidente, conforme a reconstituição feita pelo Estadão. Em toda sua vida política, afastou-se de FHC apenas nos dos últimos meses, pressionado pelos altíssimos índices de rejeição do seu guru. E aí tornou-se um trem desgovernado, sem maquinista.
O País seria outro em muitos aspectos se o presidente Lula tivesse convocado a administração federal a fazer o que dela a sociedade cobra com a mesma determinação empregada para fazê-la trabalhar cada vez mais pela candidatura Dilma Rousseff. E a máquina pública faria jus aos volumosos impostos recolhidos da população se os devolvesse sob a forma de serviços de boa qualidade no ritmo requerido, com o mesmo empenho e assiduidade com que se engajou na campanha sucessória, a fim de suprir as notórias deficiências da ex-ministra no embate eleitoral. Fiel à sua proclamada prioridade "como presidente" este ano, não bastou a Lula carregar a sua afilhada pelo Brasil afora em eventos ditos administrativos, pelo que já recebeu uma penca de multas aplicadas pela Justiça Eleitoral. Tampouco deve ter considerado suficiente sincronizar o anúncio de medidas na área de políticas públicas com as promessas da candidata na montagem de uma assim chamada "agenda positiva". Foi só ela defender a intensificação do combate ao crack, por exemplo, e eis que, num primário jogo de cartas marcadas, o Planalto apresentou o que seria um programa nacional nesse sentido. Com igual despudor, apostando na falta de informação e senso crítico da parcela do eleitorado com que conta para eleger a ex-ministra, Lula resolveu colocar o Ministério em regime de prontidão para fazer por Dilma o que ela não conseguiria por conta própria. Na terça-feira, ele reuniu o Gabinete para exigir de seus integrantes dedicação plena à campanha eleitoral. "O povo brasileiro", avisou na véspera, "merece que nós possamos concluir o trabalho que começamos." Naturalmente, nenhum dos mobilizados há de ter tido dúvidas sobre a natureza desse trabalho. Coincidência ou não, no mesmo dia do comando de ordem unida dado por Lula, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, divulgou pessoalmente um boletim estatístico eivado de falsidades. A julgar pelos números manipulados, o governo Lula é ainda melhor do que o seu titular diz ser e o governo Fernando Henrique ainda pior do que o lulismo apregoa. Dados referentes ao primeiro ano da gestão FHC, por exemplo, foram omitidos para aumentar a diferença da variação da renda nacional per capita nos dois governos. As verdades distorcidas foram parar sem demora no site da candidatura Dilma e ela mesma se valeu de uma delas (sobre a evolução do salário mínimo) na sua vez de ser sabatinada pelo Jornal Nacional. A operação casada prosseguiu nos dias seguintes, quando os Ministérios da Saúde e dos Transportes contestaram fatos e números apresentados pelo candidato oposicionista José Serra no mesmo programa. Menos de 2 horas depois, com incomum agilidade, a Saúde divulgou nota oficial respondendo à crítica do tucano à extinção dos mutirões criados quando chefiou a Pasta. "Os mutirões foram incluídos na Política Nacional de Cirurgias Eletivas, criada em 2004", diz a nota. Com isso, segundo o governo, o número desses procedimentos programados subiu de 1,5 milhão para 2 milhões. O texto parece ignorar relatório oficial de março passado atestando o contrário. Em 2002, último ano da gestão Serra, foram 484 mil cirurgias de 17 modalidades. Em 2009, esse total caiu para 457 mil. O governo se vangloria das 319 mil operações de catarata no ano passado, ante 309 mil há 8 anos. Mas finge desconhecer a fila de mais de 170 mil candidatos a cirurgias nas 7 maiores cidades do País, conforme revelou O Globo. Nada disso, evidentemente, impediu o PT de anunciar no seu site que a Saúde rebatera as "mentiras de Serra". Já o Ministério dos Transportes negou a informação do candidato de que, a contar de 2003, foram aplicados em estradas apenas R$ 25 bilhões dos R$ 65 bilhões arrecadados com o imposto para obras de infraestrutura (Cide), entre outras. A Pasta desmentiu também que a Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte, estivesse "fechada", como afirmou Serra. O ponto não é o direito (ou o dever) dos governos de contestar com fatos objetivos as acusações que lhe são dirigidas. Mas o governo Lula, a pretexto de se defender, se mobiliza para fazer propaganda enganosa com fins eleitorais.