domingo, 30 de março de 2014

O direito à vida pública

O DIREITO À VIDA PÚBLICA
Rudá Ricci, para o CRESS/MG

Um dos autores liberais mais festejados nos últimos anos foi o economista indiano Amartya Sen. Sua tese fundamental é que o desenvolvimento de um país está vinculado às oportunidades que ele oferece à população de fazer escolhas e exercer a sua cidadania, o que inclui a garantia dos direitos sociais básicos, como saúde e educação, como também segurança, liberdades básicas, habitação e cultura. Sen vincula de maneira original a noção de liberdade ao conceito de desenvolvimento como sendo, simultaneamente, um processo e uma oportunidade. Introduz a noção de cidadão como “agente” e define a pobreza e o desemprego como “privação de capacidades básicas”[1].
O autor indiano é, até hoje, referência para organismos internacionais. Sua definição cabe como uma luva para compreendermos como, mesmo para aqueles que se apoiam no liberalismo e, portanto, na defesa da propriedade privada e da liberdade de mercado, o que se passa nas cidades brasileiras é amplamente reprovável, como privação das capacidades básicas da vida humana.
O modelo de desenvolvimento em curso, de forte inspiração rooseveltiana promoveu nos últimos anos a nacionalização de políticas de infraestrutura repetindo os erros do passado. Crescemos sem planejamento, ao bel prazer dos gestores locais que acessavam convênios para demonstrar influência e capacidade gestora. Com 65% do orçamento público concentrado na União, é fato que os municípios deixaram de ter capacidade de investimento autônomo e se transformaram em gerentes de programas federais. Contudo, a lógica de implantação dos programas de desenvolvimento urbano foram, desde o início, excludentes e promoveram uma ciranda que movimentou grandes empreiteiras e especuladores imobiliários. Segundo Ermínia Maricato[2], em 2009, a partir do lançamento do PAC II e do programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, teve início um boom imobiliário de fortes impactos na dinâmica das cidades brasileiras. Em 2010, o PIB brasileiro atingiu o impressionante patamar de crescimento de 7,5%. Ocorre que o PIB do setor imobiliário foi de 11,7%. O investimento de capitais privados no mercado residencial cresceu 45 vezes, passando de 1,8 bilhão de reais em 2002 para 79,9 bilhões de reais em 2011. Os subsídios governamentais foram generosos, atingindo 5,3 bilhões de reais em 2011. Com tal pujança e bonança, todo esboço da reforma urbana que se expressava no Estatuto da Cidade foi engavetado. O preço do imóvel disparou nos grandes centros urbanos: 153% em São Paulo (entre 2009 e 2012) e 184% no Rio de Janeiro (no mesmo período).
Praças da Juventude e tantos outros equipamentos urbanos e sociais foram se multiplicando ao longo das cidades brasileiras sem observar qualquer preocupação com a reorganização da ocupação do solo ou alteração dos custos de locomoção ou mesmo necessidade de reestruturar a oferta de serviços públicos. Os prefeitos não pensaram no futuro muito distante da próxima eleição.
A alegria contagiante que envolveu empreiteiras e todo setor da construção civil motivou o que muitos autores denominaram de “gentrificação” dos centros urbanos[3]. O termo, oriundo do inglês (gentrification), traduziria a intervenção em bairros, em especial centrais, modernizando velhas construções urbanas para ocupação de empresas e população de alta renda. Tal modernização arquitetônica e funcional desses territórios expulsou rapidamente a população de baixa renda, de maneira direta ou mesmo em função da disparada dos custos dos imóveis ou dos bens e serviços oferecidos naquelas localidades.
A nova dinâmica desenvolvimentista foi potencializada com os megaeventos esportivos programados para ocorrerem no Brasil a partir de 2013. Estudo do arquiteto Lucas Faulhaber, da Universidade Federal Fluminense (UFF), estima que 64 mil famílias foram alvo de remoções por obras de infraestrutura somente no Rio de Janeiro somente como preparação da Copa das Confederações. Os doze Comitês Populares da Copa estimam que 170 mil pessoas serão desalojadas em todo o país para a realização de grandes projetos urbanos no contexto dos megaeventos esportivos. De acordo com Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para a Moradia Adequada e urbanista da Universidade de São Paulo (USP), a primeira violação está no direito à informação já que entidades de representação social têm dificuldade no acesso aos planos de ações governamentais. As indenizações e realojamentos propostos também podem ser vistos como violações já que o reassentamento em locais com menor disponibilidade de serviços e emprego viola o direito de moradia adequada, que inclui o acesso aos demais direitos humanos educação, saúde, trabalho. Roknik também atenta para a falta de reconhecimento ao direito de posse, assegurado pela legislação brasileira e por acordos internacionais firmados pelo Brasil.
Na esteira desta lógica desenvolvimentista desordenada, a opção pelos veículos individuais agravou a vida urbana. Em 2011, o número de automóveis em doze metrópoles brasileiras era de 11,5 milhões. Em 2011 quase dobrou, atingindo 20,5 milhões.
Maricato denuncia, por seu turno, a acomodação de entidades e lideranças que até então lideravam o movimento de reforma urbana em nosso país.
E é aqui que foco minha atenção neste artigo.
Nas últimas duas décadas, vivemos a implantação de um programa rooseveltiano, apoiado num pacto desenvolvimentista que tem num vértice o Estado orientador e concentrador de recursos públicos para investimento e que se desmembra em outros dois vértices: a formação de um potente mercado consumidor (via aumento real de salário mínimo, crédito subsidiado e programas de transferência de renda) e regulação e orientação para investimentos privados (através da “carta de investimentos” inscritos no PAC e empréstimos do BNDES).
Mas o programa roosveltiano brasileiro acrescenta duas novidades em relação ao modelo original: o financiamento de organizações populares e de representação de massas, como organizações não governamentais, articulações por direitos civis e sociais e centrais sindicais. Aqui está a origem para o que Maricato indica como acomodação de lideranças sociais.
O programa rooseveltiano também consolida uma antiga pretensão de governantes anteriores: a coalizão presidencialista, que cria uma forte intimidade governista e governamental entre Executivo e Legislativo. Mas, neste artigo, me concentro na análise da absorção das entidades de representação social no interior do aparelho de Estado.
No mundo sindical, o movimento foi o mesmo que o observado na Europa e que recebeu a denominação de neocorporativismo. O conceito sugere o ingresso das estruturas sindicais em arenas e fóruns estatais que definem a agenda e prioridades governamentais. Na prática, onde este fenômeno se instalou, ao invés de gerar real controle social – ou participação – da base sindical, acabou por gerar distanciamento da cúpula sindical em relação às suas bases. No Brasil, este fenômeno segue a passos largos. Em 2012, as centrais sindicais receberam repasses federais da ordem de 160 milhões de reais referentes ao imposto sindical, o dobro das transferências ocorridas em 2008, quando iniciaram os repasses. A maior parte dos recursos fica com as duas maiores centrais do País, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Força Sindical. Neste ano, a CUT recebeu R$ 44,5 milhões até outubro, e a Força ficou com R$ 40 milhões. Os recursos representam entre 60% e 80% do orçamento total das centrais. Destaca-se, ainda, a regulamentação, no mesmo período, da participação de dirigentes sindicais nos conselhos de empresas estatais federais. O jeton pago a cada conselheiro chega a 8 mil reais, caso da Petrobrás. Há registros de jetons que variam de 3 mil reais (suplente do conselho da Breasilprev) a 15 mil reais (conselho da Funpresp). Há, ainda, a inversão do ideário sindical observado na gestão dos fundos de pensão que passaram a adquirir ações de bancos privados e até mesmo indústria bélica.
No campo da ONGs, a crise de financiamento externo aberto na segunda metade dos anos 1990 também gerou uma inflexão política. No século XXI espraiou-se como solução à sobrevivência dessas entidades da sociedade civil a assinatura de convênios com órgãos estatais. Na prática, os convênios terceirizaram para muitas organizações não-governamentais os serviços assistenciais antes executados pelo Estado.
Tal inversão foi programada pelo governo federal. No início da primeira gestão Lula, o participacionismo teve lugar certo. O programa Fome Zero foi entregue a lideranças católicas, expoentes da Teologia da Libertação nos anos 1980. A estrutura de gerenciamento do programa adotou a lógica da cogestão e foi compreendida como escola de formação de cidadãos para o controle de políticas públicas. O conceito de empoderamento foi fartamente utilizado neste período, que significaria ação coletiva ou participação coletiva em espaços privilegiados de decisões, ampliando o conceito de direito político. Assim, se orientaria pela superação de qualquer dependência social e dominação política. Era, obviamente, um discurso que confrontava o Estado patrimonialista. Contudo, já no final do primeiro ano de gestão já era visível a mudança de foco do núcleo dirigente. O programa foi entregue à gestão dos prefeitos, o que provocou profundo descontentamento em Frei Betto e Ivo Poletto que logo pediram afastamento das funções que assumiram no gerenciamento deste programa. As razões do afastamento não deixam dúvidas nos livros que os dois protagonistas publicaram meses depois de se afastarem do governo federal.
Outra iniciativa governamental foi a instalação do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), um amplo conselho consultivo, composto por empresários e representação da sociedade civil para análise e proposição da agenda nacional. As entidades da sociedade civil foram unânimes em criticar a pouca efetividade de suas sugestões e a escuta privilegiada que o governo fazia das proposições empresariais.
Finalmente, esboçou-se um frágil mecanismo de participação no controle do orçamento federal e políticas sociais com a criação de Comitês Estaduais de elaboração do Plano Plurianual (PPA) federal e apoio para realização de conferências nacionais envolvendo uma ampla agenda temática. Foi a primeira e única tentativa, abortada no segundo ano de gestão, do governo federal criar mecanismos de controle social sobre a execução do seu orçamento.
Finalmente, o lugar dos conselhos de gestão pública (setoriais ou de direitos) e as conferências nacionais de direitos. Foram mais de 70 realizadas nos elaborado por Ana Claudia Chaves Teixeira, Clóvis Henrique Leite de Souza e Paula Pompeu Fiuza de Lima revelou o movimento errático desta novidade na gestão pública que tinha por objetivo introduzir elementos de cogestão na tomada de decisão das políticas sociais brasileiras[4]. Os autores realizaram um balanço das 74 conferências nacionais realizadas entre 2003 e 201052. Na maioria dos casos, este evidente esforço de mobilização social não recebeu nenhuma informação devolutiva pelo Estado, não se sabendo se suas resoluções foram incorporadas efetivamente nas ações ou estratégias de governo. Poucas conferências estão instituídas em lei, sendo sua vinculação com conselhos de gestão pública ou com processos de planejamento como o Plano Plurianual (PPA) é quase inexistente. O que se observa é a realização de eventos desconectados dos calendários de formulação governamental, dificultando a possibilidade de influência das propostas nos planos de ação estatal.
Em suma, vivemos no último período, no que tange à participação da cidadania no controle ou gestão de políticas públicas federais um duplo fenômeno desagregador.
De um lado, os canais institucionais de participação perderam lugar no processo de tomada de decisão e foram reduzidos à condição de meras formalidades burocráticas ou administrativas da lógica de Estado. De outro, a absorção das entidades de mediação social (estrutura sindical, organizações não-governamentais e entidades confessionais) pelo aparelho de Estado interditou a mediação de conflitos locais. Este era o papel fundamental desempenhado por tais entidades desde a década de 1980. Dada sua capilaridade e multiplicidade de territórios e segmentos sociais por elas atendidos, era possível criar um arranjo de demandas das populações mais marginalizadas ou tomadas pelo sentimento de injustiça social. Numa sociedade desigual como a brasileira, a coleta de demandas e frustrações e transformação em pauta unificada é essencial para os órgãos públicos orientarem sua agenda. Sem isto, as frustrações se multiplicam e se fragmentam numa miríade de lamentações e tensões cotidianos (até mesmo conflitos latentes).
Foi exatamente isto que se percebe a partir de 2013.
O primeiro alerta apareceu entre 18 e 19 de maio. Um boato dava conta da extinção do Programa Bolsa Família. Em três dias, 920 mil beneficiários sacaram o saldo em suas contas. A confiança nas pretensões do governo federal pareciam pouco sólidas.
Em seguida, em junho, explodem os protestos de rua que em três semanas levaram milhões de brasileiros a apresentarem um mosaico de demandas, pulverizadas e fragmentadas em cartazes que expressavam desejos pessoais, no máximo grupais.
Os governantes se assustaram. Não compreendiam o que se passava nas ruas. Compreensível. Justamente porque as ruas expressaram, em síntese, o confronto entre o projeto de Governo e os projetos de parte da sociedade que não possui canal de expressão há pelo menos uma década.
As cidades tornam-se o locus  central deste descompasso.
Vivemos um projeto desenvolvimentista executado à revelia das populações menos abastadas. Um projeto conduzido por elites políticas e econômicas. Algo que remonta à tradição política e conformação das políticas públicas de nosso país.
Os governantes se assustaram – e ainda se assustam – com o grito polifônico das ruas. Não entendem o que ocorreu após seus esforços para mudar o país e coloca-lo na posição de potência econômica mundial. Não entendem porque, em última instância, não estiveram nas ruas. Não dialogaram. E interditaram as possibilidades de vida e projetos de família. Tutelaram sonhos.
Se ao menos tivessem lido Amartya Sen......



[1] Cf. SEN, Amartya. Desenvolvimento como Liberdade, São Paulo: Companhia das Letras, 2012. Páginas 34 e 36.
[2] Cf. MARICATO, Ermínia. É a questão urbana, estúpido!, In MARICATO, Ermínia et al. Cidades Rebeldes. São Paulo: Boitempo/Carta Maior, 2013, p. 23 e seguintes.
[3] O termo gentrification deriva de "gentry" e do francês arcaico "genterise" que significa "de origem gentil, nobre". A expressão da língua inglesa gentrification foi usada pela primeira vez pela socióloga britânica Ruth Glass, em 1964, ao analisar as transformações imobiliárias em determinados distritos londrinos. Outro autor que se tornou referência nos estudos do fenômeno foi o geógrafo britânico Neil Smith, que identificou os vários processos de gentrificação em curso nas décadas de 1980 e 1990.
[4] Cf. TEIXEIRA, Ana Cláudia; SOUZA, Clóvis Henrique Leite & LIMA, Paula Pompeu Fiuza. “Arquitetura da
Participação no Brasil: uma leitura das representações políticas em espaços participativos nacionais”.
Texto para Discussão 1735, Rio de Janeiro: IPEA, 2012. Originalmente apresentado no 35º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós‐graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em Caxambu, em outubro de 2011, no Grupo de Trabalho (GT) Controles Democráticos e Legitimidade.

Entrevista para imprensa portuguesa sobre o Brasil dos rolezinhos

Minha entrevista para a jornalista Magda Pimentel, do Portuguese News Network (http://www.interpnn.com ):

1 – Como define “rolezinho”? Um movimento social, um acto de reivindicação, protesto, convívio sem intenção de violência…?
R: Apenas convívio e consumismo desenfreado de pré-adolescentes e adolescentes. Não absolutamente nenhum sinal de protesto. São filhos dos 40 milhões de brasileiros que saíram da pobreza nos últimos dez anos, fruto do aumento real do salário mínimo e políticas federais de transferência de renda. Eles sempre viveram em shopping centers e sentem ser o lugar deles. Os encontros são convocados pelas redes sociais, através de fanpages que possuem entre 2 mil e até 100 mil seguidores. São comunidades virtuais de auto-promoção, divulgando vídeos, pensamentos, fotos. O aumento de envolvidos se deu em virtude de certa "disputa" entre donos de fanpages (chamados por eles de ídolos), que começaram a promover agrados e receber presentes de seus fãs. Participar de fanpages muito festejadas passou a significar prestígio entre adolescentes de baixa renda das periferias dos grandes centros urbanos.

2 – Existe alguma relação entre os “rolezinhos” e a onda de protestos que está a atingir o país desde o ano passado?
R: Nenhuma. As manifestações de junho envolviam jovens de 20 a 30 anos, universitários de classe média e com forte ideário anarquista ou autonomista. Os participantes dos rolezinhos são pré-adolescentes e adolescentes de 11 a 17 anos, profundamente despolitizados e que querem apenas se divertir e consumir (por este motivo marcam encontros nos centros de compra).

3 – O que leva os jovens a marcar estes encontros nos shoppings e parques públicos?
R: Sempre frequentaram estes locais de compra porque vivemos, nos últimos dez anos, a "inclusão pelo consumo". Seus pais foram os primeiros de suas famílias a viajar de avião, a comprar imóvel, a comprar televisão de tela plana, celulares. O discurso de várias igrejas neopentecostais reforçou a crença no consumo como demonstração de sucesso e prestígio. Mergulhados nesta cultura familiar consumista, os membros dos rolezinhos começaram a formar comunidades virtuais no Facebook. É preciso destacar o imenso acesso às redes sociais das classes menos favorecidas no Brasil nos últimos cinco anos, via smartphones. A Associação Brasileira de Internet revela que este é o motivo para fechamento de lan houses no Brasil, já que o acesso começou a ser realizado pelos celulares. Este é o caso do norte e nordeste do Brasil e também dos bairros periféricos e menos abastados dos grandes centros urbanos da região sudeste.

4 – Em Janeiro, alguns shoppings da periferia de São Paulo proibiram estes encontros e impuseram uma multa de até 10 mil reais a quem participasse. Considera que se trata de uma medida de segurança ou um acto de discriminação?
R: Evidentemente. Base da cultura estamental brasileira. O Brasil é um país intolerante. Aceita a existência do diferente desde que fique em seu lugar e não "invada" o espaço dos mais abastados. Num país que historicamente há baixa mobilidade social, uma mudança tão drástica nos últimos dez anos mexeu com os brios dos mais abastados e revelou uma faceta discriminatória não prevista pelos governos que promoveram as políticas de transferência de renda. Os "meninos de junho" (das manifestações) e os meninos dos rolezinhos são as novas faces dos brasileiros. Vale destacar que os beneficiários do programa Bolsa Família ainda não se expressaram.

5 – Em ano de Copa e eleições, que perigos os “rolezinhos” poderão representar?
R: Nenhum. Na Copa teremos manifestações organizadas pelos Comitês Populares da Copa que constituíram uma articulação nacional, a ANCOP. São os mesmos que estavam nas ruas em junho do ano passado. No final do ano passado, lançaram a palavra de ordem: "Não vai ter Copa!". Criticam duramente os gastos públicos e o modelo de imposição da FIFA que afeta as populações mais pobres (em função das remoções de moradores e trabalhadores das regiões que estão sendo modernizadas - ou gentrificadas - pelas obras de preparação da Copa). Não é possível prever o impacto das manifestações programadas. A seleção nacional de futebol é um Brasil de chuteiras, como já afirmou o dramaturgo Nelson Rodrigues. Mas, por outra lado, pesquisa Datafolha revelou que 75% dos brasileiros consideram que a Copa não trará nenhum benefício ao país. Vivemos um momento inusitado e pouco previsível.

Lançamento oficial do livro Nas Ruas, em Belo Horizonte


domingo, 23 de março de 2014

Programação do Espaço Luiz Estrela (BH), no dia 29 de março

PROGRAMAÇÃO 29 de março:

Estrela em Catarse #3

* 10h - Lançamento de Livros e Roda de Conversa sobre as Jornadas de Junho 

Rudá Ricci e Patrick Arley - Nas Ruas
Bruno Cava - A Multidão foi ao Deserto 
Louise Ganz -  Bicicletas ambientes:economias de quintal e Cozinhas Temporárias: pelos quintais do Jardim Canadá 
(convidado) Joviano Mayer - falará sobre as Jornadas de Junho


* 11h - Oficina de Jogos - Origem, jogos e objetos (acontece junto com a mesa sem prejuízo à atividade)

* 12h - Almoço Vegano no Georgette Zona Muda 

* 14h -  Feira de Comidas Vegetarianas e Veganas 

* 14h - Oficina de Peteleco 

* 17h - Vacamarela: o silêncio da resistência. Improvisação em dança com Dorothé Depeauw

* 18h - Mostra "Os Brutos" 

* 19h às 21h - Quarteirão do Soul 

Ao longo do dia:
* venda dos livros lançados
* venda de camisetas do Projeto MAPA
* TV instalação com a final da Copa do Mundo que o Brasil perdeu
* DJ Ritinha e Sosti (entre as programações)
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A diferença entre direita e conservadorismo brasileiros

Emanuel Marra me pergunta, no Facebook, se eu poderia detalhar mais o que seria a direita brasileira. Achei que esta seria uma questão que interessaria outros que me seguem nas redes sociais. Interesse evidentemente lastreado no imenso fracasso da reedição da Marcha com Deus convocado pela direita tupiniquim nesses dias de março. 
Então, lá vai. A questão central é distinguirmos direita de pensamento ou valores conservadores. A direita é programática, possui uma leitura sobre a sociedade e ideologia. Já o pensamento conservador se atém ao comportamento social, quase sempre focada no campo dos direitos civis e não necessariamente no Estado ou na estrutura de poder. A maioria dos brasileiros é conservadora, mas não de direita. O que possuem de comum é a defesa da família nuclear e rejeição à ampliação de direitos civis. Confundem o conceito de família com a nuclear (composta por pai, mãe e filhos). Mas esta composição familiar é a que mais decai proporcionalmente no Brasil, desde os anos 1980 (hoje, bem próximo de 50% do total). A família que mais cresce é a monoparental (hoje, bem próximo de 25% do total), em especial, aquela que apenas a mãe vive com os filhos (90% das famílias monoparentais brasileiras).
A partir daí começam as diferenças. Vejamos:
a) o conservadorismo brasileiro é composto por negros e pobres. Contudo, a direita brasileira os rejeita por ser profundamente elitista e acreditar que a lógica estamental tem relação com meritocracia (quando, na verdade, tem relação com a intolerância e a cristalização de hierarquia baseada em privilégios históricos e tradicionais);
b) a população pobre quer a tutela do Estado. A direita brasileira, ao contrário, quer o liberalismo econômico. Esta distinção é fundamental porque coloca em lados opostos a direita e o conservadorismo popular brasileiro. Liberalismo, num país com forte desigualdade social, é interpretado pela grande massa da população pobre brasileira (há inúmeras pesquisas a respeito) como privilégio aos ricos e empresários e ausência de proteção e promoção social estatal;
c) Os pobres brasileiros (cuja maioria é conservadora) defendem a ordem e a paz. A direita brasileira é beligerante, agressiva e frequentemente fulaniza os ataques políticos, tornando-os ataques grosseiros e rudes, pregando corretivos violentos e discriminadores. Tal discurso vincula-se rapidamente aos desmandos e abusos históricos que as classes menos privilegiadas no Brasil (grande parte oriunda da dominação escravagista, negra ou indígena) sofreram;
d) A religiosidade popular é sincrética, alicerçada numa bricolagem muito ampla, envolvendo catolicismo e protestantismo; espiritismo e candomblé, além de crendices e provérbios populares e até mesmo diálogos com conhecimentos vinculados à socialização de almanaques europeus via cordel, num amálgama extremamente rico e sofisticado que chega a alterar os cânones das principais igrejas ocidentais (como a inclusão de Cosme e Damião, entre outros). Já a direita brasileira é dogmática e fundamentalista, hierarquizando valores e conhecimentos e excluindo toda identidade sincrética como um erro fundado na ignorância.

A direita, enfim, não prospera no Brasil em tempos democráticos. Daí seu eterno apelo às armas. Como um corretivo. Como um mergulho no obscurantismo medieval. 

sábado, 15 de março de 2014

Apontamentos sobre o Anteprojeto da DS para sua XI Conferência Nacional.

O foco eleitoreiro cria um mundo dicotômico

POR Rudá Ricci

Recebo o anteprojeto de resolução da Conferência Nacional da Democracia Socialista, possivelmente a tendência interna do PT com maior capacidade de formulação política. Por este motivo, este documento orienta uma leitura mais complexa dos cenários e estratégias (e até mesmo o ideário) do partido que governo o Brasil há doze anos.
O que surpreende no texto é o fim da dialética como orientação metodológica para análise da realidade para uma corrente fundada na tradição marxista, mais precisamente, trotskista. A hipótese que parece mais plausível para esta mudança interpretativa é o foco nas eleições e manutenção do governo federal, o que subordina todas outras dimensões da vida social, cultural e política a esta singela meta política. Para dar um tom épico a esta disputa pelo voto, o documento procura valorizar um conceito frágil de “revolução democrática”, algo que estaria em curso em nosso país desde a primeira vitória de Lula.
O interessante é que ao longo do referido documento, toda agenda sugerida como eixo central desta revolução em curso foi absolutamente abandonada pelo governo Lula desde seu primeiro ano, em 2003. O documento se revela, assim, um exercício de contorcionismo programático e interpretativo da maior relevância porque sugere as dificuldades para militantes históricos e sinceros do PT em se encontrar em meio à terceira via que se instalou no governo federal.
O documento começa pela análise da conjuntura internacional. Sustenta que o neoliberalismo ingressou, desde 2008, numa profunda crise, embora a expressão concreta desta crise seja relativa em algumas regiões, diferenciando-se ao longo do planeta. O significativo da análise feita nesta primeira parte do documento é a constatação que tanto o movimento sindical como os partidos de esquerda não conseguiram levantar resistências significativas ao projeto conservador. Fica, contudo, a lacuna sobre os motivos para esta ausência ou incapacidade das estruturas de representação clássicas. A lacuna é extremamente relevante porque joga na penumbra o que poderia ser uma importante crítica sobre a agenda ou até mesmo estrutura organizacional destas instituições políticas. Não aprofundando, o documento abre espaço para a proposição que fará mais adiante sobre o cenário nacional. Mas, ainda na análise do cenário internacional, o documento da DS sugere que a América Latina, “especialmente a do Sul”, continua sendo o território de avanços alternativos ao neoliberalismo. Aqui começa a redução do mundo político às duas possibilidades, transformando análise e disputa política numa expressão raquítica da vida social. Não há uma linha sequer para diferenciar o campo geopolítico do chavismo daquele que Lula tentou construir e que Dilma Rousseff abandonou. Indiretamente o documento sugere uma linha de continuidade que efetivamente não existiu. O lulismo disputou, efetivamente, a América Latina com Chavez. Foram dois projetos distintos que traduziam trajetórias pessoais antagônicas das duas lideranças: a militar e a sindical. Dilma, por seu turno, optou pela orientação administrativista (ou gerencial), de natureza mais técnica, nas ações diplomáticas o que, por sinal, se expressou na troca do perfil do chanceler brasileiro.
Esta primeira parte do documento da DS termina sugerindo que não há alternativa capitalista de superação da crise econômica. Porém, a esquerda mundial encontra-se sob pressão do capital internacional. O que poderia explicar a emergência de movimentos de contestação popular, de inspiração neonazista ou anarquista, em grande parte da Europa. Mas o documento, mais uma vez, se omite em relação às dificuldades da esquerda clássica (tanto sindical, quanto partidária) em se apresentar como alternativa ou mesmo como polo de reflexão sobre uma agenda de mudanças econômicas, políticas e sociais. Daí, no item 14, o documento da DS tatear uma explicação que começa assim: “talvez possa se falar em um cenário instável e polarizado pela direita da crise do neoliberalismo”. Uma redação evidentemente insegura ou excessivamente cautelosa que, nas entrelinhas, se apoia na inexistência do protagonismo da esquerda clássica.
No item 16 do documento da DS, contudo, é apresentado um esboço de estratégia ao sugerir os partidos institucionalizados aferrados às regras do jogo, o que aponta para a alternativa da adoção de formas de democracia direta e participativa e maior capilaridade dos partidos nos movimentos sociais. Também sugere, no item seguinte, a “profunda erosão dos valores e tradições socialistas e do mundo do trabalho”. Ora, esta poderia ser a agenda para a esquerda brasileira, mas, como se verá adiante, é exatamente o inverso do que o documento aponta efetivamente.  
As dificuldades interpretativas, contudo, emergem quando o documento se debruça sobre o cenário nacional. O primeiro erro grosseiro é denominar o momento atual pelo que o Brasil passa de “revolução democrática”. O conceito é impressionista e carece de qualquer profundidade analítica. Revolução, tal como sustentou em inúmeros estudos por Florestan Fernandes, é processo de transformação da ordem social. Ora, os governos lulistas criaram um potente mercado consumidor interno e redefiniram o papel orientador do Estado nacional. Mas, nem de longe,  apontou uma mudança na ordem social e política. Ao contrário, trata-se da adoção da agenda rooseveltiana, tal como sugere André Singer num dos capítulos de seu “Os Sentidos do Lulismo” e também desenvolvido em meu livro “Lulismo”. A melhor tradução da agenda lulista é a formatação de um pacto desenvolvimentista, anos luz de qualquer processo revolucionário. Um exagero semântico que a DS terá dificuldades para justificar e emprega-lo na luta política concreta. Porque se houve abortos nítidos que geraram defecções importantes nos dois governos de Lula tiveram como motivação a política econômica focada no apoio ao grande capital, na marginalização da agenda do desenvolvimento sustentável e reforma agrária e, principalmente, na rejeição a qualquer mecanismo concreto de controle social sobre o Estado. A agenda rooseveltiana é conservadora do ponto de vista político, mas progressista em termos de ganhos sociais, além de orientada para a hipertrofia do Estado. Não há nada, contudo, que quebre a lógica sistêmica da ordem vigente.
Tal conceito, afoito ou desprovido de fundamento real, traveste a polarização eleitoral em polarização ideológica. O que faz de toda manifestação de contestação uma reação conservadora ou irresponsável. Na melhor das hipóteses, um infantilismo esquerdista ou autoreferenciado.
Há dois momentos em que o documento aponta para uma agenda do que seria tal revolução democrática. No item 21, indica:
Esta dinâmica de revolução democrática abre um novo período de mudanças estruturais no país, centralizadas por uma democratização qualitativa dos centros de poder. A democratização dos centros de poder do Estado – conjugando um novo quadro institucional das formas de representação e democracia participativa, de democratização do processo de formação da opinião pública, de fim da corrupção sistêmica, de avanços na Justiça de Transição e de superação das dimensões conservadoras das políticas de segurança pública – se associaria a um novo patamar de planejamento público e de políticas macroeconômicas, abrindo um período de universalização das políticas sociais e de desmercantilização dos bens necessários à reprodução da vida social formando um Estado alicerçado nos valores da solidariedade, do feminismo e da multi-etnicidade.
Mais adiante, no item 40, sugere:
É preciso pois disputar abertamente a legitimidade democrática do sentido e do aprofundamento das políticas econômicas anti-neoliberais que se afirmaram mais claramente a partir do fim do primeiro mandato do presidente Lula. A afirmação do planejamento democrático, da função decisiva do setor público como financiador, produtor e regulador, das medidas de combate aos poderes financeiros, das iniciativas de defesa dos direitos do trabalho e a ampliação das políticas sociais, da defesa da soberania nacional diante da pressão rentista internacional, da agricultura familiar e da reforma agrária são fundamentais para inverter um panorama político e comunicativo defensivo. Em terceiro lugar, há uma nítida diferença entre o sentido programático da reeleição de Dilma e a opção preferencial pela aliança com o PMDB, que no Congresso Nacional tem evidenciado e até aprofundado o seu atrelamento a posturas e interesses conservadores. Neste quadro, será decisivo a nitidez programática imprimida pelo PT e pelo PC do B e pelos setores mais progressistas da coalizão à candidatura Dilma Roussef, preparando inclusive um esforço de uma nova convergência política e social nos próximos anos.

Ora, uma leitura mais rigorosa daria conta para compreender que esta agenda é antagônica à entabulada pelo lulismo. Os dados são oficiais e demonstram nitidamente que a reforma agrária foi debelada como política pública estratégica em função da implantação do bolsa família. Já havia, anteriormente, a intenção de substituir esta agenda clássica da esquerda brasileira por territórios da cidadania. O fato é que as teses de José Graziano da Silva, ex-dirigente do programa Fome Zero e hoje comandante da FAO, tão disseminadas em meados dos anos 1980 sobre o anacronismo da reforma agrária como reforma econômica, deitaram raízes no programa lulista.
O planejamento democrático simplesmente não existiu nos últimos dez anos. Ao contrário, a participação de entidades de representação social em arenas oficiais desmantelaram as mediações destas organizações com as ruas. Convênios que terceirizaram serviços sociais públicos para ONGs, administração de fundos de pensão com o nítido foco em ganhos de dividendos (como aquisição de ações de indústria bélica e grandes bancos), participação de sindicalistas (com pagamentos de jetons pessoais) em conselhos de empresas estatais sem consulta às bases sindicais sobre pautas e prioridades, baixo impacto das dezenas de conferências nacionais de direitos, aborto do sistema de controle social sobre o Bolsa Família elaborado por Frei Betto e Ivo Poletto, assim como aborto do controle popular sobre a implantação do PPA federal (que foi timidamente esboçado em audiências públicas nas capitais durante 2003) são algumas situações que indicam os rumos concretos do processo de decisão governamental.
Por confundir intenção com gesto, o documento da DS incorre em passagens ufanistas, como se estivéssemos vivenciando no Brasil uma mudança de proporções regionais ou até mundiais. Um exagero que reforça a noção da disputa eleitoral ser mais importante que as demandas sociais expostas em conflitos de rua. A hipérbole literária pode ser verificada no item 20 do referido documento:
2002 marcou o início de um novo ciclo político do país, com a vitória de Lula em um quadro de forte chantagem dos capitais financeiros internacionais e das forças políticas neoliberais; 2006 foi fundamental para marcar a conquista de um segundo mandato Lula, após a grave crise de 2005, consolidando e legitimando uma inflexão à esquerda importante da legitimidade da luta contra os fundamentos neoliberais (nova orientação da política econômica desde o final de 2005, nova política do salário-mínimo, denúncia das privatizações no segundo turno, consolidação da legitimidade das novas políticas de inclusão social); 2010 foi uma clara manifestação do apoio à continuidade e aprofundamento das mudanças conquistadas nos governos Lula, a partir das respostas à esquerda diante dos novos desafios da crise econômica internacional de 2008, com a construção da liderança política de Dilma Roussef em meio a um quadro de forte acirramento da luta de classes a partir de uma contra-ofensiva político-midiático neoliberal e conservadora promovida pela candidatura Serra, principalmente a partir do final do primeiro turno.
Uma passagem do excerto destacado acima já possibilita desmontar a tese ufanista. Afinal, o que teria gerado “a grave crise de 2005”? Foi a ofensiva anti-lulista que procurava surfar na reação popular aos casos de corrupção instalados na Casa Civil. Lembremos que o caso cunhado como “mensalão” é posterior à crise iniciada com as movimentações de um assessor do ministro da Casa Civil. O fato é que Lula decidiu, a partir dali, reorientar suas políticas, até então desarticuladas, num formato clássico rooseveltiano. O eleitorado petista se altera desde então, como demonstram diversos estudos de análise eleitoral. Passou a se confundir com o eleitorado do PMDB, com menor renda e instrução. A ruptura com o Fome Zero, segundo o que Frei Betto registrou em livros, revelou um movimento do lulismo para acordos com a Ordem institucionalizada. Do controle social do programa através dos Talheres (denominação dada pelo Fome Zero às estruturas de gestão participativa), Lula optou pelo controle pelas prefeituras, o que foi duramente criticado por várias pastorais sociais envolvidas na criação da rede social de gestão participativa.
A política econômica também se radicalizou e a orientação para focalização das políticas sociais, tal como preconizava a Secretaria Nacional de Política Econômica do Ministério da Fazenda, passou a ser discurso único. A partir daí, a aliança com o PMDB e a formação de um amplo arco de acordos que forjou de vez a coalizão presidencialista feriu de morte o programa petista. Este que o documento da DS procura recuperar em parte.
Daí a necessidade de redigir frases de efeito como a que abre o item 19 do referido documento: “as eleições de 2014 devem ser analisadas como parte do longo ciclo de luta contra o neoliberalismo, que teve início em 1989”. O próprio documento já havia indicado que o neoliberalismo já não é mais hegemônico. Mas que a esquerda não consegue apresentar uma alternativa popular. E, ainda, que emergem daí, mobilizações de massa que trilham caminhos alternativos, do neofascismo europeu ao anarquismo ou autonomismo encontrados no Occupy norte-americano, nos Indignados espanhóis, na Revolução das Panelas da Islândia e até mesmo nas Assembleias Populares argentinas.
As eleições, enfim, se tornaram o último campo de batalha para uma esquerda acuada, sem musculatura, que vive às sombras de um governo de coalizão onde seu peso é quase imperceptível.
Como bem demonstra o final do documento, as alternativas eleitorais à Dilma Rousseff são insignificantes. Até o momento, a reeleição pode ocorrer no primeiro turno. Mas não é aí que está o risco ao lulismo. Está nas ruas. Algo que o documento da DS não consegue analisar profundamente. Porque seu foco é o campo institucional, a eleição e a tentativa de influência de um governo que se pauta pela reação, pela ausência de projeto estratégico nítido. O Mais Médicos surgiu como reação às ruas. A aliança com o PMDB como reação à ofensiva oposicionista em 2005. A proposta de plebiscito da reforma política como reação às manifestações de junho. Assim como a esdrúxula proposta de lei antiterror e leis que procuram coibir protestos de rua sob o pretexto de ameaça à ordem nacional.
O documento da DS peca porque não sabe como fazer ponte entre o governo que participa e as ruas, órfãs nos últimos dez anos.

O lugar da esquerda sempre foi as ruas. Mas a DS parece procurar uma outra via. 

sexta-feira, 14 de março de 2014

Datas de lançamento do "Nas Ruas"

Pessoal,
Até agora temos as seguintes datas de lançamento do nosso livro "Nas Ruas":

Dia 24/03: Escola do Legislativa da Assembleia Estadual de Minas Gerais. 14h00. Debate com Carlos Ranulfo (UFMG)

Dia 26/03: Pirajuí/SP, durante Jornada de Educação

Dia 28/03: Escola da Cidadania da Zona Leste, em São Paulo. Salão da Igreja São Francisco. Rua Miguel Rachid, 997, Ermelino Matarazzo, São Paulo, 19h00.

29/03 - Espaço Luiz Estrela, Belo Horizonte. 10h00. Com a presença de Bruno Cava. Rua Manaus, 348, bairro Santa Efigênia.

02/04 - Contagem.

08/04 - Lançamento oficial do livro em Belo Horizonte. Bar Pimenta com Cachaça. 19h00. Com presença de Pablo Ortellado (USP) e COPAC (Comitê dos Atingidos pela Copa). Avenida do Contorno, 8699. Teremos violeiros, performances e banda de Maracatu.

09/04 - Curvelo. Durante Semana Jurídica.

11/04 - Rio de Janeiro. Auditória da OAB-RJ. Avenida Marechal Câmara, 150.

sexta-feira, 7 de março de 2014

Aumento de votos brancos e nulos podem dar vitória à Dilma no primeiro turno

A coluna de hoje de Maria Cristina Fernandes, editora de Política do Valor Econômico, traduz minha principal hipótese para as eleições de outubro. O possível aumento de votos brancos e nulos pode dar vitória no primeiro turno à Dilma Rousseff. Em meio ao ataque de nervos que envolve oposição e palacianos, esta parece ser a tendência a ser olhada com respeito.

O rojão que aumenta as chances de 1º turno - MARIA CRISTINA FERNANDES

Valor Econômico - 07/03

Desde que inventaram eleição em dois turnos no Brasil dela só escapou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, tanto em 1994 quanto em 1998. Em nenhuma das três eleições posteriores o PT foi capaz de chegar à maioria absoluta dos votos para liquidar a fatura de uma só vez.

Num momento em que pemedebistas e petistas deixados ao relento, além de empresários e banqueiros queixosos, só se ocupam do "volta Lula", a aposta de que a reeleição da presidente Dilma Rousseff pode repetir a façanha de FHC parece uma alucinação.

A aposta tem nome e endereço e está a léguas, em distância e propósito, do quartel-general da campanha presidencial. Chama-se Alexandre Marinis, foi analista do banco Garantia e hoje tem uma consultoria que se dedica a esquadrinhar a política em números para seus clientes.

Todos se surpreendem até serem apresentados ao caminho percorrido pelo economista da Mosaico até as previsões que, só à primeira vista, parecem uma ressaca mal curada de carnaval. O ponto de partida são as manifestações de junho do ano passado. Duas pesquisas Datafolha feitas antes e depois de as ruas se encherem mostram que o percentual de eleitores dispostos a dar um voto em branco ou anulá-lo havia mais do que duplicado.

Até o início de junho o patamar se mantinha no limite padrão de 7%. A partir das manifestações, esse percentual cresceria a ponto de chegar a 18% na última rodada de fevereiro.

Se um maior número de eleitores se diz disposto a anular sua opção para presidente ou votar em branco, diminui a cesta de votos válidos a partir da qual se conta a maioria necessária para que se liquide a fatura no primeiro turno. 
A remissão às duas eleições de FHC é obrigatória. De cada dez eleitores que compareceram para votar em 1994 e 1998, oito validaram seus votos. O ex-presidente elegeu-se com metade desses votos.

Na era petista o sarrafo aumentou. Caiu o percentual de nulos, muito provavelmente por causa da universalização da urna eletrônica. Os votos nulos sempre foram maiores em cidades com maior número de analfabetos. A urna eletrônica facilitou o voto dessas pessoas.

Com isso, de cada dez eleitores que compareceram aos locais de votação nas três últimas disputas presidenciais nove validaram seus votos. Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma precisavam fazer uma metade mais robusta de votos que a de FHC. Falharam e acabaram enfrentando um segundo turno.

A julgar por todas as pesquisas desde as manifestações, o patamar de nulos estará mais próximo daquele observado nas eleições de FHC do que na dos petistas, o que embasa as convicções de Marinis sobre as chances de um único turno em outubro.

Além das evidências aritméticas, as pesquisas revelam que o alheamento prejudica a oposição porque tira do mercado os eleitores mais oposicionistas do pedaço. É duas vezes mais fácil encontrar um eleitor que aprova governo Dilma entre aqueles que pretendem escolher o senador Aécio Neves ou o governador Eduardo Campos do que entre aqueles que pretendem votar em branco ou nulo.

A entrada da ex-senadora Marina Silva como vice de Campos ou mesmo como candidata melhora as chances do PSB, mas não reduz o alheamento eleitoral. Tanto Campos quanto Aécio devem torcer por candidaturas que ajudem a captar esse voto nulo. Se o pré-candidato do PSOL, o senador Randolfe Rodrigues (AP), começar a ser ouvido pelos desencantados pode ajudar a oposição. O mesmo talvez não possa ser dito se o ministro Joaquim Barbosa resolver disputar e, além dos alheios, roubar os votos da oposição.

O alheamento acendeu o sinal amarelo no Tribunal Superior Eleitoral, que prepara campanha institucional sobre a importância do voto. Ao contrário de outras, de teor mais educativo e voltada para grotões analfabetos, esta, com um apelo mais cívico, buscará o eleitor das grandes cidades. Desde as massivas demonstrações de junho, os protestos reduziram-se em escopo, mas não é só quem solta rojão que se afasta da urna. A violência gerada por ambos os lados e seu noticiário inflam a descrença na política institucional.

A despeito do empenho do governo em aprovar lei contra os rojões, as manifestações, pelo que mostram as contas de Marinis, podem acabar ajudando a reeleição. À dura tarefa de conquistar quem quer votar, soma-se aos percalços da oposição a façanha de arrebanhar os alheios.