1 – Como define “rolezinho”? Um movimento social, um acto de reivindicação, protesto, convívio sem intenção de violência…? R: Apenas convívio e consumismo desenfreado de pré-adolescentes e adolescentes. Não absolutamente nenhum sinal de protesto. São filhos dos 40 milhões de brasileiros que saíram da pobreza nos últimos dez anos, fruto do aumento real do salário mínimo e políticas federais de transferência de renda. Eles sempre viveram em shopping centers e sentem ser o lugar deles. Os encontros são convocados pelas redes sociais, através de fanpages que possuem entre 2 mil e até 100 mil seguidores. São comunidades virtuais de auto-promoção, divulgando vídeos, pensamentos, fotos. O aumento de envolvidos se deu em virtude de certa "disputa" entre donos de fanpages (chamados por eles de ídolos), que começaram a promover agrados e receber presentes de seus fãs. Participar de fanpages muito festejadas passou a significar prestígio entre adolescentes de baixa renda das periferias dos grandes centros urbanos. 2 – Existe alguma relação entre os “rolezinhos” e a onda de protestos que está a atingir o país desde o ano passado? R: Nenhuma. As manifestações de junho envolviam jovens de 20 a 30 anos, universitários de classe média e com forte ideário anarquista ou autonomista. Os participantes dos rolezinhos são pré-adolescentes e adolescentes de 11 a 17 anos, profundamente despolitizados e que querem apenas se divertir e consumir (por este motivo marcam encontros nos centros de compra). 3 – O que leva os jovens a marcar estes encontros nos shoppings e parques públicos? R: Sempre frequentaram estes locais de compra porque vivemos, nos últimos dez anos, a "inclusão pelo consumo". Seus pais foram os primeiros de suas famílias a viajar de avião, a comprar imóvel, a comprar televisão de tela plana, celulares. O discurso de várias igrejas neopentecostais reforçou a crença no consumo como demonstração de sucesso e prestígio. Mergulhados nesta cultura familiar consumista, os membros dos rolezinhos começaram a formar comunidades virtuais no Facebook. É preciso destacar o imenso acesso às redes sociais das classes menos favorecidas no Brasil nos últimos cinco anos, via smartphones. A Associação Brasileira de Internet revela que este é o motivo para fechamento de lan houses no Brasil, já que o acesso começou a ser realizado pelos celulares. Este é o caso do norte e nordeste do Brasil e também dos bairros periféricos e menos abastados dos grandes centros urbanos da região sudeste. 4 – Em Janeiro, alguns shoppings da periferia de São Paulo proibiram estes encontros e impuseram uma multa de até 10 mil reais a quem participasse. Considera que se trata de uma medida de segurança ou um acto de discriminação? R: Evidentemente. Base da cultura estamental brasileira. O Brasil é um país intolerante. Aceita a existência do diferente desde que fique em seu lugar e não "invada" o espaço dos mais abastados. Num país que historicamente há baixa mobilidade social, uma mudança tão drástica nos últimos dez anos mexeu com os brios dos mais abastados e revelou uma faceta discriminatória não prevista pelos governos que promoveram as políticas de transferência de renda. Os "meninos de junho" (das manifestações) e os meninos dos rolezinhos são as novas faces dos brasileiros. Vale destacar que os beneficiários do programa Bolsa Família ainda não se expressaram. 5 – Em ano de Copa e eleições, que perigos os “rolezinhos” poderão representar? R: Nenhum. Na Copa teremos manifestações organizadas pelos Comitês Populares da Copa que constituíram uma articulação nacional, a ANCOP. São os mesmos que estavam nas ruas em junho do ano passado. No final do ano passado, lançaram a palavra de ordem: "Não vai ter Copa!". Criticam duramente os gastos públicos e o modelo de imposição da FIFA que afeta as populações mais pobres (em função das remoções de moradores e trabalhadores das regiões que estão sendo modernizadas - ou gentrificadas - pelas obras de preparação da Copa). Não é possível prever o impacto das manifestações programadas. A seleção nacional de futebol é um Brasil de chuteiras, como já afirmou o dramaturgo Nelson Rodrigues. Mas, por outra lado, pesquisa Datafolha revelou que 75% dos brasileiros consideram que a Copa não trará nenhum benefício ao país. Vivemos um momento inusitado e pouco previsível.
domingo, 30 de março de 2014
Entrevista para imprensa portuguesa sobre o Brasil dos rolezinhos
Minha entrevista para a jornalista Magda Pimentel, do Portuguese News Network (http://www.interpnn.com ):
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2 comentários:
Na primeira pergunta você afirma que estes jovens já frequentavam os shoppings, e depois afirma que o Brasil é um país intolerante.
Creio que há no mínimo uma contradição em suas respostas.
O mais grave, creio eu, é alguém querer classificar o tal "rolezinho", como um "movimento cultural".
Aí eu fico envergonhado do nível cultural de nosso país.
Obrigado.
Não, Paulo Sérgio, não há incoerência. Estar presente num lugar não significa que seja bem acolhido. No caso, a rejeição veio das classes médias e parte da imprensa, em especial, as rádios. Enquanto eram poucos, nada ocorria. Na medida que houve a sensação de "espaço", as classes sociais que se sentem cativas reagiram e de maneira vergonhosa, discriminatória. Quanto ao conceito de cultura, acredito que você esteja se confundindo. Cultura vem do latim "colo", que significa "ocupar um espaço com a experiência coletiva". Daí derivam duas palavras: cultus (se referindo à experiência coletiva passada) e culturus (projeção coletiva futura). Os meninos e meninas dos rolezinhos possuem uma cultura nítida. Tenho a impressão que você faz uma hierarquização valorativa do que é mais adequado ou superior das expressões culturais humanas.
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