A pergunta acima foi feita por Luis Bassoli, via Inbox do Facebook.
Uma pergunta maliciosa porque qualquer que seja a resposta é desabonadora ao PT. Se a resposta for negativa, fica ainda mais evidente que o partido dos trabalhadores não conseguiu gerar uma cultura política interna focada na capacidade de negociação e convencimento. Se a resposta for positiva, toda trajetória petista terá sido carregada pelo tempo. As ruas não serão mais seu lugar de fazer política.
Não é possível fazer conjecturas sobre o que não ocorreu. Mas é possível analisar as características dos dois fatores desta equação proposta por Bassoli: Lula e as manifestações de junho.
O que tem Lula de tão especial? Primeiro, o momento histórico que o forjou como líder dos metalúrgicos. Era o fim da ditadura militar. A partir de 1974, gradativamente, a população brasileira passou a votar no MDB. Se em 1970 o partido da oposição consentida tinha apenas 28,1% das cadeiras da Câmara Federal, em 1978 saltara para 45%. No Senado, o mesmo: 10,9% em 1970 para 45% em 1978. O ano de 1977 foi um marco. A crise internacional, alimentada pelo aumento do preço do barril de petróleo, bateu duro no regime militar. Muitos programas federais foram cortados e o "milagre brasileiro" fazia água por todos os lados. A população já não confiava na paz e prosperidade prometida pelos militares. Até os empresários decidiram confrontar com a norma imposta: realizaram neste ano o primeiro encontro nacional de classe. Os metalúrgicos vieram em seguida. Lula despontou, desde cedo. Numa das assembleias concorridas no Estádio da Vila Euclides, pouco antes de Lula falar, uma faixa gigantesca foi sendo aberta. De um lado, a imagem de Jesus Cristo, do outro lado, a imagem de Lula. A construção do mito já se processava.
Lembro, ainda, do papel de Osmarzinho (Osmar Santos de Mendonça), filiado ao MR-8 e sua influência sobre Lula, tema-tabu que pouco se discute entre petistas (Osmarzinho era ágil e carismático como Lula, mas com uma formação politica muito mais profunda). Mas Lula era um "repentista político", com uma capacidade de criar um discurso desconcertante. Falava o dialeto operário como ninguém. Gostava de futebol, era corinthiano e católico. E era emotivo. Sua inteligência acima do normal - atestada até mesmo por inúmeras matérias do jornal Estado de São Paulo - fez com que superasse sua ojeriza por partidos políticos. E se tornou o primeiro líder operário de um partido de esquerda brasileiro, de massas. Lula galvanizou os anos 1980. A luta nas ruas. A desconfiança em relação à tudo o que cheirasse elite, incluindo o mundo acadêmico. O enfrentamento da Ordem, o que incluía a polícia. O mecanismo de legitimação que Lula dirigiu foi o do mobilismo. A força das ruas como elemento de imposição de valores e demandas. Daí a natureza carismática daquelas lideranças e a ironia frente aos poderes constituídos. Já citei inúmeras vezes como no PT se traduzia uma frase de Gramsci como mantra: é possível ser poder mesmo não sendo governo. A disputa das ideias, dos corações e mentes. Esta engenharia politica era possível em função da ligação que Lula fazia entre um projeto de esquerda e um jeito de ser e falar de operário, classe média baixa, povão. Lula atraía trabalhadores e classe média baixa como @s "menin@s de junho" atraem seus pares. Havia identidade e empatia.
Até que Lula perde uma eleição praticamente ganha, em 1989. Este fato mudou o PT e Lula. Por dentro. Como se um osso tivesse trincado. Uma dor que não se expunha. Lula decidiu ser governo. E liberou os "operadores" e burocratas, aqueles que se fizeram na política pelas portas dos fundos, não pelas ruas.
Ali, Lula fez a guinada: deixava de ser poder para ser governo.
E este é o drama do PT. Quem seguiu esta trilha, agora percebe que perdeu as ruas.
O governo Dilma Rousseff é a expressão maior desta inflexão. Dilma se esforça, não há como negar. Mas não tem carisma. E não tem a empatia com a base da sociedade. "Não é uma das nossas", dizem as beneficiárias do Bolsa Família. "Mas Lula sentiu na pele o que é ser pobre", completam.
Posso não saber cravar uma resposta clara para a pergunta de Bassoli. Possivelmente, @s menin@s de junho sairiam da mesma maneira. Mas os "iguais à Lula" se ofenderiam. Porque veriam nos manifestantes alguém de outra classe social. Sentiriam na pele, nas roupas que utilizam, na linguagem. Na sua mente, trabalhadores e beneficiários do Bolsa Família imaginariam Lula numa cadeira, tomando um gole de cachaça e refletindo o que os manifestantes, afinal, desejam. E ficariam entristecidos pelo tratamento que as ruas estariam dando ao seu igual, que um dia foi pobre e que demonstrou ao país que qualquer filho de operário pode, agora, chegar a ser a maior autoridade pública do país. A figura de Lula continua despertando a mesma projeção que se forjava na cabeça dos operários do ABC paulista nos anos 1980. Um igual. Sofredor como eles.
Já Dilma. Bem, Dilma é a imagem d@s menin@s de junho. Fala como eles falarão quando atingir a idade da Presidente. Dura como uma pedra. Ascética. Ninguém sabe se torce para algum time ou se bebe alguma bebida alcoólica. Alguém disse que ela deu umas voltas de motocicleta outro dia, em Brasília. Coisa que quem ganha Bolsa Família nem imagina fazer. Basta um toque na memória e logo vem à mente a imagem de Lula, ainda Presidente, de férias numa praia baiana, carregando uma caixa de isopor nos ombros, possivelmente cheia de geladinhas, como qualquer filho de Deus faz. Sem garçons, sem "cooler".
O que penso é que @s menin@s de junho têm sorte. Se o Presidente fosse Lula, não teriam espaço para tanta brincadeira. Mas, sem Lula, o PT e Dilma rasgam a empatia original que os fez chegar onde estão.
Uma ironia. Mas previsível.
PS: Antes que me ataquem pelo uso da ilustração, destaco que a montagem está disponível na internet. Para se ter uma ideia.
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