sábado, 30 de junho de 2007
Homenagem a Paulo Freire no Peru
HOMENAJE A PAULO FREIRE
Foro-Red Paulo Freire Peru
Rudá Ricci, desde Brasil
01 de julho de 2007
Amigos e companheiros,
Escrevo em português porque o que nos une não é a língua pátria, mas o forte sentimento humanista que não apenas crê, mas constrói duramente a possibilidade de diálogo entre as diversas aventuras humanas. Somos freireanos de diversas regiões e países, o que não nos faz apenas membros de uma comunidade, mas membros de um projeto humanista, portanto, universal.
Falar a partir de Paulo Freire é sempre emocionante, principalmente para aqueles que o conheceram. Conheci Paulo quando ingressava na faculdade, então com 17 anos de idade. Por muito tempo dizia, e ele ouvia meio a contragosto, que havia aprendido a ler com ele. Nos seminários que ocorriam nas manhãs dos sábados, numa sala lotada de admiradores, Paulo lia uma página de um livro por mais de três horas. Nunca havia imaginado que um livro pudesse ser lido em quatro ou cinco meses e que contivesse tantas outras histórias e conhecimentos nas entrelinhas do que estava escrito. Com Paulo, as entrelinhas sempre continham muitos segredos que poucos percebiam e que ele desvendava com calma, quase que saboreando.
Gostaria, entretanto, de provocar uma breve reflexão sobre nosso papel, em pleno século XXI. Imagino que todos freireanos e educadores populares se perguntam qual nossa função neste século que começa muito conturbado. Há tempos se discute o aggiornamento da educação popular no Brasil. Nascida nos anos 60, sob a genialidade e compromisso de Paulo Freire e seus seguidores, a educação popular se embrenhou nas organizações populares e por muito tempo foi símbolo de resistência às várias facetas do autoritarismo. Autoritarismos (no plural) tanto de Estado, como de comportamentos individuais e até mesmo das tentações que sempre bateram à porta das próprias organizações populares. Por muito tempo, o que denominamos de educação popular foi uma escuta da voz de quem se sentia vencido pelo poder oficial, excluído da possibilidade de vôos sociais, econômicos e políticos. Incapaz de se sentir um cidadão por inteiro.
Das cartilhas rodadas em mimeógrafos ou gráficas improvisadas, dos cursos realizados em espaços dos mais espartanos, metodologias e instrumentos de educação popular invadiram sindicatos, partidos políticos, grandes organizações não-governamentais, políticas governamentais. Cresceu, apareceu e foi ser gauche na vida.
Mas, aí, topamos com a realidade sempre complexa e contraditória. Nem sempre, a energia moral da educação popular acompanhou as diversas e múltiplas tentativas que foram surgindo ao longo dos anos 80 e 90. A metodologia se esvaziou, de tempos em tempos, de conteúdo libertário e emancipatório. A autonomia, palavra carregada de sentido para todos freireanos, foi se transfigurando em diversas modalidades. Várias metodologias que antes se voltavam para o tempo e dilemas da base social em busca da cidadania ativa, foram se fechando na formação dos quadros das próprias instituições mediadoras, que representavam um segmento social.
Daí o aggionarmento. Não como uma etapa absolutamente nova da educação popular, mas como um looping, retornando às origens e confrontando os seus princípios às conquistas sociais e à nova dinâmica das organizações populares e dos segmentos sociais que ainda buscam a cidadania ativa, protagonista. Cidadania ativa que vai sendo compreendida, a cada dia, como controle social sobre o Estado e as políticas públicas do país.
O que se traduz no abandono da negação a institucionalidade pública. Antes, procura contribuir para criar uma nova lógica de Estado, mais porosa à demanda social, menos burocratizada, menos clandestina aos olhos do cidadão. O Estado passou a ser tema central das lutas sociais. Não como máquina administrativa da classe dominante, mas como aparelho público, a serviço do interesse social, do combate à desigualdade. Passa a ser compreendido como espaço de disputa, de dissenso e de formulação coletiva de acordos negociados.
Então, ao retornarmos aos princípios da educação popular, criamos um diálogo complexo e instigante com os desafios do momento. Sejamos mais explícitos.
Em 1982, Carlos Rodrigues Brandão, outro freireano, publicou o livro A Questão Política da Educação Popular. O prefácio do livro foi uma inovação instigante porque transcrevia uma entrevista com Ciço, um agricultor familiar do interior do país. Era a voz dele impregnando as páginas de um livro a ser lido por intelectuais e educadores populares. Ciço, logo de início dizia:
... Agora, o senhor chega e pergunta: “Ciço, o que que é educação?” Tá certo. Tá bom. O que que eu penso, eu digo. Então veja, o senhor fala: “Educação”; daí eu falo: “educação”. A palavra é a mesma, não é? A pronúncia, eu quero dizer. É uma só: “Educação”. Mas então eu pergunto pro senhor: É a mesma coisa? É do mesmo que a gente fala quando diz essa palavra?” Aí eu digo: “Não”. Eu digo pro senhor desse jeito: “Não , não é”. Eu penso que não. Educação... quando o senhor chega e diz “educação”, vem do seu mundo, o mesmo, um outro. Quando eu sou quem fala vem dum outro lugar, de um outro mundo. Vem dum fundo de oco que é o lugar da vida dum pobre, como tem gente que diz. Comparação, no seu essa palavra vem junto com quê? Com escola, não vem? Com aquele professor fino, de roupa boa, estudado; livro novo, bom, caderno, caneta, tudo muito separado, cada coisa do seu jeito, como deve ser. Um estudo que cresce e que vai muito longe de um saberzinho só de alfabeto, uma conta aqui e outra ali. Do seu mundo vem um estudo de escola que muda gente em doutor. É fato? Penso que é, mas eu penso de longe, porque eu nunca vi isso por aqui. Então, quando o senhor vem e fala a pronúncia “educação”, na sua educação tem disso. Quando o senhor fala a palavra conforme eu sei pronunciar também, ela vem misturada no pensamento com isso tudo; recursos que no seu mundo tem. Uma coisa assim como aquilo que a gente conversava outro dia, lembra? Dos evangelhos: “Semente que caiu na terra boa e deu fruto bom”. (...)Quando eu falo o pensamento vem dum outro mundo. Um que pode até ser vizinho do seu, vizinho assim, de confrontante, mas não é o mesmo. A escolinha cai-não-cai ali num canto da roça, a professorinha dali mesmo, os recursos tudo como é o resto da regra de pobre. Estudo? Um ano, dois nem três. Comigo não foi nem três. Então eu digo “educação” e penso “enxada”, o que foi pra mim.
As duas educações, que parecem ser a mesma, são desveladas pela leitura crua e afiada de Ciço. A educação de um o fez e a mesma educação formal, para o outro, o jogou no ostracismo. Não qualquer ostracismo. A educação que Brandão recebeu, no olhar de Ciço, o tinha projetado como alguém importante para a própria educação brasileira. Mas a educação que Ciço recebeu não o fez um personagem importante para a educação nacional. Pelo contrário, foi a educação não formal e o olhar atento de Brandão que o trouxe para o mundo dos que refletem e pensam a educação do nosso país, a partir do seu livro.
A fala de Ciço revela um ressentimento fino, calculado, trabalhado em cada palavra. Uma crítica é acompanhada de uma explicação didática, justificando e embasando o ressentimento.
Este foi o mote dos anos 80 para os educadores sociais. A necessidade de construir uma educação popular à margem da oficial, evidentemente excludente.
Mas na mesma entrevista, Ciço indicava um caminho que somente agora parece retomado. Voltemos ao seu discurso crítico:
Inda ontem o senhor me perguntava da Folia de Santos Reis que a gente vimos em Caldas: “Ciço, como é que um menino aprende o cantorio? As respostas?” Pois o senhor mesmo viu o costume. Eu precisei lhe ensinar? Menino tão ali, vai vendo um, outro, acompanha o pai, um tio. Olha, aprende. Tem inclinação prum cantorio? Prum instrumento? Canta, tá aprendendo; pega, toca, tá aprendendo. Toca uma caixa (tambor da Folia de Reis), tá aprendendo a caixa; faz um tipe (tipo de voz do cantorio), tá aprendendo cantar. Vai assim, no ato, no seguir do acontecido. Agora, nisso tudo tem uma educação dentro, não tem? Pode não ter um estudo. Um tipo dum estudo pode ser que não tenha. Mas se ele não sabia e ficou sabendo é porque no acontecido tinha uma lição escondida. Não é uma escola; não tem um professor assim na frente, com o nome “professor”. Não tem... Você vai juntando, vai juntando e no fim dá o saber do roceiro, que é um tudo que a gente precisa pra viver a vida conforme Deus é servido.Quem que vai chamar isso aí de uma educação? Um tipo dum ensino esparramado, coisa de sertão. Mas tem, não tem? Não sei. Podia ser que tivesse mais, por exemplo, na hora que um mais velho chama um menino, um filho. Chama num canto, fala, dá um conselho, fala sério um assunto: assim, assim. Aí pode. Ele é um pai, um padrinho, um mais velho. Na hora ele representa como de um professor, até como um padre. Tem um saber que é falado ali naquela hora. Não tem um estudo, mas tem um saber. O menino baixa a cabeça, daí ele escuta; aprendeu, às vezes não esquece mais nunca. Agora, o senhor chega e diz: “Ciço, e uma educação dum outro jeito? Um saber pro povo do mundo como ele é?” Esse eu queria ver explicado. O senhor fala: “Eu tô falando duma educação pro povo mesmo, um tipo duma educação dele, assim, assim.”. Essa eu queria saber como é. Tem? Aí o senhor diz que isso bem podia ser feito; tudo junto: gente daqui, de lá, professor, peão, tudo. Daí eu pergunto: “Pode? Pode ser dum jeito assim? Pra quê? Pra quem? (...) se um tipo desse duma educação assim pudesse ter aqui, como a gente estamos conversando, com adultos, os velhos, até mulheres, conforme foi dito, assim num acordo, num outro tipo de união, com o povo todo daí desses cantos sentindo deles, coisa deles, como uma coisa que é nossa também, que então juntasse idéia de todos, professor, nós, num assunto assim, assim, então o senhor havia de ver que o povo daqui tem mais de muita coisa do que a gente pensa.
Existiria, enfim, uma outra educação, voltada para a inclusão e para a valorização da cultura. Mais ainda: Ciço indica uma metodologia emancipatória e não paralela à oficial. Uma educação fundada na prosa, na troca de saberes.
Voltar à fala de Ciço nos obriga a pensar os desafios da educação popular nos dias de hoje. Desafios postos por situações muito mais ousadas que vivenciamos na nossa América Latina. São inovações importantes, ali e acolá. Lei da Transparência no Peru, Lei Orgânica dos Municípios na Venezuela, redes de controle social sobre políticas públicas na América Central, Assembléias Populares na Argentina, 30 mil conselhos de gestão pública (com participação direta de representantes da sociedade civil e organizações populares) no Brasil, práticas de orçamento participativo e escolas de formação para a cidadania ativa no Chile e em diversos outros países do nosso Continente.
São novos e subversivos instrumentos de Estado, muitas vezes ambivalentes, contraditórios. Mas como nos ensinou Paulo Freire, toda contradição encerra o novo, a possibilidade. Então, pela força e história das lutas populares, uma nova institucionalidade pública vai se forjando na América Latina, ainda que não consigamos percebe-la com nitidez. E é exatamente aí que se encontra nosso maior desafio. Grande parte da população latino-americana desconfia da política, carrega grande ressentimento que muitas vezes inibe sua participação efetiva nas mudanças que citei acima. Como se vivessem um movimento pendular na sua vocação libertária, autônoma.
Portanto, as janelas que se abrem permanecem, por vezes, distantes da grande maioria dos cidadãos de nossos países.
Há um evidente canal de comunicação entre o Estado autocrático e altamente burocratizado e a desconfiança e ressentimento político da maioria da população. Um se alimenta do outro e cria um círculo vicioso que produz crises de representação permanentes, cada vez mais banalizadas.
Nossa tarefa é alimentarmos o debate público sobre as possibilidades abertas. É criarmos instrumentos inovadores de problematização e radicalização de nossas democracias. É criarmos situações de reflexão a respeito da construção de saberes políticos, que garantam a direção política dessas possibilidades. Escolas da Cidadania, redes latino-americanas de educação para a democracia participativa, universidades populares, troca de experiências em gestão pública participativa, sistemas de monitoramento de políticas públicas, controle social sobre territórios, parlamentos juvenis, orçamentos participativos criança. São tantas experiências e possibilidades abertas.
Assim, comemoramos permanentemente Paulo Freire. Mais ainda, comemoramos nossa crença. E fazemos da sabedoria popular o grande desafio da aventura humana.
Um forte e caloroso abraço desde Brasil.
Viagem Vertical
Há muito o mercado editorial não publicava um livro profundo, de reflexão existencial. Mas A viagem Vertical, do catalão Enrique Vila-Matas, é o mais denso dos últimos anos. Publicado pela Cosac & Naify, tem como mote o pedido de separação da esposa quando os dois atingem 70 anos de idade. As reflexões que brotam daí são duras e instigantes. Cito apenas uma de suas frases, a que mais me tocou: "refletiu que talvez a autêntica vida de alguém fosse aquela que a pessoa não leva."
quarta-feira, 27 de junho de 2007
Como planejar um curso em educação popular
Um curso apoiado nos princípios da educação popular parte, sempre, de um diagnóstico da cultura e dinâmica social dos educandos envolvidos na programação.
Lembremos os motivos para este primeiro passo. No prefácio à Fenomenologia da Percepção, Merleau-Ponty sustenta um processo de envolvimento com o mundo a partir da visão e experiência pessoal do mundo:
Tudo aquilo que sei do mundo, mesmo por ciência, eu o sei a partir de uma visão minha ou de uma experiência do mundo sem a qual os símbolos da ciência não poderiam dizer nada. Todo o universo da ciência é construído sobre o mundo vivido, e se queremos pensar a própria ciência com rigor, apreciar exatamente seu sentido e seu alcance, precisamos primeiramente despertar essa experiência do mundo da qual ela é a expressão segunda.
A ciência é a segunda expressão do mundo. A primeira é a experiência vivida, que forma a visão de mundo de quem a vive. Merleau-Ponty aprofunda ainda mais esta sensação do mundo, enquanto choque, instantâneo o pontual, mas nunca neutro, porque o que eu percebo é imediatamente interpretado pela experiência passada. Não existe impressão pura. O sensível não é um efeito imediato de um estímulo externo, mas uma interação entre o que vejo e como eu interpreto o que vejo.
Esta noção é fundamental para entendermos que ninguém não sabe nada sobre o mundo ou sobre tudo. Ao contrário, tudo é refletido, repensado, percebido a partir do seu passado e de sua experiência concreta de vida. As imagens são recriadas a cada geração.
Qualquer curso ou interelação pedagógica, educativa, se não interage com esta reflexão inicial sobre o mundo e sobre a próprio curso que inicia, cria um impacto autoritário, que distancia o educador do educando. Por outro lado, ao iniciar pela busca da percepção do educando, cria uma trilha de diálogo, um processo por onde as duas partes interagem e podem construir conhecimento sobre um tema ou um problema.
Neste caso, o caminho correto seria definir o tema em questão (o tema do curso) após a problematização com os educandos ou com as estruturas de representação sociais dos educandos (sindicatos, conselhos, associações, entre outros). O tema é criado a partir de interesses concretos, de dinâmicas sociais e valores construídos pela experiência pessoal e coletiva.
Esquematicamente, a partir do diagnóstico inicial e escolha do tema, os passos de organização de um curso são:
Planejamento de um curso
Estudo sobre o Público-Alvo
Definição do tema central
Definição da Ementa (breve resumo sobre os objetivos e sub-temas que envolvem aquele curso)
Definição da duração do curso
Definição dos módulos (ou subtemas a serem desenvolvidos)
Definição do método e instrumentos: grupos, discussão de vídeos, aulas expositivas, debates, seminários, aula dialogada, oficinas
Definição dos instrumentos de avaliação
Bibliografia ou recursos pedagógicos e de consulta e aprofundamento
Detalhemos cada um desses passos.
O Estudo sobre o público ou educandos envolvidos no curso é fundamental pelo exposto anteriormente. Infelizmente, nunca é possível garantir informações precisas sobre os educandos ou mesmo um tempo inicial para dialogarmos com eles. O tempo é cada vez mais escasso, mesmo na educação . Daí esta primeira etapa nem sempre ser possível ser produzida antes do início do curso. Mas, mesmo numa situação não ideal, é importante que a programação do curso parta de um mínimo de informações sobre o perfil dos educandos, procurando estabelecer uma relação direta, um atalho, entre os seus interesses e os desafios que o curso estará propondo.
Ainda assim, é fundamental que se pense um momento ou uma dinâmica inicial do curso onde a proposta seja cotejada pela opinião e interesses do grupo de educandos. Daí a necessidade de um curso evitar exposições, de caráter unilateral. Antes, é fundamental pensar numa provocação, num dilema ou polêmica, num processo de discussão em grupos ou cochichos entre vizinhos de cadeira na sala onde se realiza o curso. A programação, assim, vai se ajustando pouco a pouco.
Definido o tema, é importante que os educadores elaborem uma breve ementa do curso. Esta ementa, como apontado anteriormente, será submetida aos educandos-cursistas e poderá sofrer ajustes. Mas um bom diálogo tem início com proposições objetivas e concretas. Não se responde uma questão que é dúbia, confusa, mal formulada. A ementa auxilia a formular com clareza a proposta do curso.
Uma ementa é objetiva e concisa. Vejamos um exemplo:
EMENTA DE UM CURSO UNIVERSITÁRIO EM CIÊNCIAS SOCIAIS
CURSO: Seminário em Filosofia Moderna. O ensaio sobre Entendimento Humano de Locke.
EMENTA:
Através de uma leitura do Ensaio de Locke, especialmente dos livros I, II e IV, buscaremos examinar alguns dos principais temas da epistemologia de Locke, tais como, seu caráter normativo, a natureza e alcance de sua crítica à existência de idéias inatas, sua teoria das idéias, a distinção entre ciência e opinião, sua concepção de probabilidade, e seu posicionamento face ao ceticismo e ao cartesianismo.
A ementa acima faz uma promessa ao educando, indica o tema e as fontes (livros I, II e IV) de estudo, além de seu objetivo (examinar alguns dos principais temas da epistemologia de Locke). Os educandos saberão pela ementa se este curso lhes interessa e avaliarão o seu resultado a partir da promessa que a ementa encerra.
O público de educandos envolvidos deve, novamente, orientar a organização do tempo, a duração, seqüência de temas. Um exemplo claro é o do primeiro curso de formação de conselheiros de Maringá. Grande parte dos cursistas trabalha em horário comercial (principalmente os não governamentais). Ao consultá-los, a demanda foi que o curso básico fosse realizado entre 16h e 18h, durante a semana. Toda a programação foi estruturada a partir desta disponibilidade e demanda, o que criou uma situação inusitada e inesperada.
Ao organizar o tempo de duração do curso é importante levar em consideração a necessidade de existir um intervalo relativamente longo entre um e outro encontro, não esgotando o tema em apenas um evento de dois ou mais dias. São dois motivos principais para segmentar a programação. A primeira é cognitiva. Em cursos de curta duração (ou até média duração), o volume de informações é considerável: compreender a dinâmica, o seu lugar no curso, seus colegas de curso, os conceitos, as conclusões, a relação entre sua prática e a auto-avaliação que o processo educativo implica. É fundamental que ocorra um intervalo de alguns dias para que aquele impacto seja refletivo e que, principalmente, seja cotejado pela rotina e desafios cotidianos. Assim, o conhecimento produzido em sala, durante o curso, se mistura com o cotidiano e se reorganiza, possibilitando se transformar em experiência concreta. Esta dinâmica prática-teoria-prática é o que dá consistência e objetividade (ou concretude) a um curso apoiado nos princípios da educação popular.
Um segundo motivo é possibilitar uma prática de estágio. O estágio ou dever de casa é o mesmo processo de relação teoria-prática indicado acima, mas com um elemento a mais: a intencionalidade pedagógica. Todo estágio é programado para forçar uma situação de aprendizagem e uma possibilidade do educando organizar a coleta de informações e situações que se relacionam com os objetivos e temas do curso. Podemos citar um exemplo. Imaginemos que o tema do curso é produção da proposta de orçamento municipal para o ano seguinte. Ao programarmos um estágio na Câmara Municipal e na Secretaria de Planejamento, o cursista-educando terá oportunidade para perceber a dinâmica real da produção do orçamento, que até então apenas discutiu e leu na sala de aula. As disputas, as diferenças entre repartições, os atores principais na elaboração do orçamento aparecerão vivamente. Já disseram que na prática, a teoria é outra. Na volta ao curso, as informações obtidas redefinem as discussões e criam um sentido novo ao processo de aprendizagem.
O tempo do curso organizado implica em pensar os módulos do curso: o encadeamento dos temas. Os módulos, contudo, devem compor e organizar os momentos de leitura, a troca de experiências, a sistematização de conhecimentos, os desafios, os estágios programados ou dever de casa, os trabalhos em grupo. Simplificando, é possível dizer que os módulos (encadeamento dos temas) formam o esqueleto do curso e as dinâmicas constituem o conteúdo, a carne do curso.
Vejamos, a seguir, um exemplo de organização de um curso em módulos:
Direito do Trabalho (inclui segurança do trabalho)
Módulo 1 - Aula 1
Introdução, definição e princípios do Direito do Trabalho.
O princípio de proteção. O princípio da irrenunciabilidade.
O princípio da supremacia da realidade, O princípio da continuidade, Fontes do Direito do Trabalho.
Principais fontes, Constituição Federal, Leis ordinárias, Jurisprudência, convenções e recomendações da OIT, convenções coletivas do Trabalho, acordo coletivo do trabalho, regulamentos de empresa, contrato individual de trabalho, usos e costumes.
Direito Individual e Direito Coletivo do Trabalho
Módulo 1 - Aula 2
Empregado e empregador, abrangência da CLT. Empregado urbano.
Requisitos para caracterização do empregado urbano
O empregador, definição relação de emprego. O estado como empregador, grupo de empresas. Microempresa e Empresa de pequeno porte, identificação profissional, Carteira de trabalho CTPS, portador. Obrigação, emissão, exigência da CTPS, dados, anotações, recusa da anotação da CTPS.
Livro de Registro de empregados.
Os módulos, como se percebe, organizam uma lógica temática e indica os subsídios que serão utilizados como apoio. Obviamente que, durante o curso, o que foi programado pode ser alterado. Mesmo assim, a organização em módulos auxilia a organizar mentalmente uma seqüência de raciocínio e de fontes. É um instrumento do educador e detalha a ementa.
domingo, 24 de junho de 2007
Enquanto o ditador dormia
quarta-feira, 20 de junho de 2007
segunda-feira, 18 de junho de 2007
Um projeto de esquerda
Dos Partidos ao Projeto de Esquerda
Rudá Ricci
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Coordenador do Instituto Cultiva e membro do Comitê Executivo Nacional do Fórum Brasil do Orçamento. E-mail: ruda@inet.com.br . Site: www.cultiva.org.br .
Houve uma vez um verão
Os partidos políticos modernos nasceram no século XIX. Eram, no início, partidos operários, funcionavam além do período eleitoral, eram compostos por um corpo de militância estável e possuíam um programa político para toda a sociedade. Eles vieram para superar o que a literatura especializada denominou de Partidos de Notáveis, que emergiram no século XVIII como clubes de lideranças burguesas que faziam uma breve campanha para que fosse definido um representante no processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Os partidos de notáveis desmontavam assim que o representante era escolhido.
Os partidos de esquerda, que no final do século XIX e início do XX, se conformaram a partir da tradição marxista, tiveram sua referência na organização militarizada que ficou desenhada por Lênin em Que Fazer? Mas, mesmo Lênin não elaborou a mesma proposta organizativa ao longo de sua vida. Em seu primeiro texto a respeito, de 1895 (Projeto e Explicação do Programa do Partido Social-Democrata), o líder bolchevique sugeria que o papel do partido político seria o de articular e unificar as lutas sociais, que seriam a verdadeira escola política das massas. Quatro anos depois, começava a esboçar uma concepção vanguardista do papel do partido. Sustentou que a luta pelo socialismo e a luta operária estariam divorciadas no cotidiano. Finalmente, em 1902, quando publica Que Fazer?, Lênin indica a premissa da construção de uma importante burocracia partidária, profissionalizada, criando uma lógica etapista da luta e formação política, que passaria da luta sindical, de caráter econômico, à luta política. Entretanto, a compreensão política do mundo não seria fruto de uma evolução natural. Surge uma relação direta entre o cotidiano operário e a alienação, de um lado; e a consciência política e a teoria revolucionária e o profissionalismo partidário, de outro. Em seu último texto (Vale quanto Pesa), contudo, Lênin reconhece que sua suposição estava equivocada. Num mea culpa duríssimo, lamenta que a relação que teria estimulado entre partido, Estado e governo teria gerado uma burocracia que se distanciava perigosamente do dia-a-dia da vida social concreta.
Este tema foi um dilema fundamental para toda a trajetória das esquerdas no século XX. Desde o debate sobre a determinação essencial do poder capitalista, se centrado no desenvolvimento das forças produtivas ou nas relações de produção, até o difícil aprofundamento sobre o caráter da alienação do trabalho. Não por outro motivo, uma das passagens mais instigantes e apaixonadas do jovem Marx trata das relações de equivalência. Embora esta passagem seja dedicada, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos às trocas mediadas pelo dinheiro, Marx avança surpreendentemente sobre a equivalência nas relações humanas. No Terceiro Manifesto vaticina:
Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação com o mundo seja humana. Então, o amor só poderá ser trocado por amor, confiança, por confiança, etc. Se se desejar apreciar a arte, será preciso ser uma pessoa artisticamente educada; se se quiser influenciar outras pessoas, será mister se ser uma pessoa que realmente exerça efeito estimulante e encorajador sobre as outras. Todas as nossas relações com o homem e com a natureza terão de ser uma expressão específica, correspondente ao objeto de nossa escolha, de nossa vida individual real. Se você amar sem atrair amor em troca, i. é, se você não for capaz, pela manifestação de você mesmo como uma pessoa amável, fazer-se amado, então seu amor será impotente, uma desgraça.
Um dilema que pode ser transposto, num exercício de analogia, para a representação política. Se o líder não se fizer refletido nos liderados, se o representante não se fizer legitimado nos representados, então esta relação política será impotente, uma desgraça.
Tantos outros autores, de todas as filiações que se ramificaram a partir das teorias de Marx, procuraram responder e aprofundar este dilema. Quase todos foram devorados por ele. Trotsky, no exílio mexicano, escreveu copiosamente a respeito; Gramsci, na prisão fascista, ampliou o conceito de hegemonia como cimento, ou capacidade de escuta, interpretação e fusão dos interesses difusos de vários agrupamentos sociais; Erich Fromm retomou os estudos sobre alienação; recentemente, o tema ressurgiu no seio das esquerdas a partir do debate sobre a democracia como valor universal, sem adjetivos. Mas foi nos anos 90 que, a partir da força inovadora dos movimentos sociais e conquista de espaços no interior da estrutura de Estado (principalmente na América Latina) que o cruzamento entre sociedade civil e sociedade política se cruzou e se complexificou definitivamente. Antes de entendermos com mais detalhes esta novidade dos últimos quinze anos, é importante demarcar que a crise de legitimidade dos partidos enquanto estruturas de organização de interesses e representação política nunca foi tão profunda como agora, em que a sociedade civil se fragmentou e parte de suas organizações acabou por invadir o Estado, em forma de conselhos de gestão, de participação direta na condução de orçamentos públicos, de sistemas e estruturas de monitoramento e controle social sobre políticas públicas. Não chega a ser uma mudança definitiva na política, mas revela um esboço de tendência ou tensão política.
Durante o século XX esta organização de representação política (o partido político) foi se desgastando gradativamente. Robert Michells foi o mais conhecido crítico da estrutura partidária moderna, fundamentando sua crítica a partir da teoria da Lei de Ferro da Oligarquização, que sugere a formação de oligarquias políticas e burocratização interna na tomada de decisão.
No final do século XX, ficou patente o desencanto e ressentimento generalizado com as lideranças e estruturas partidárias: desde a formação de ligas regionais na Europa, que quebraram a unidade nacional dos partidos; até mesmo a criação de estruturas em rede, envolvendo movimentos sociais e ongs, modelo adotado pelo Fórum Social Mundial.
Pesquisas recentes revelam o que parece um paradoxo entre o aumento de mecanismos de controle social e participação cidadã na gestão pública e o afastamento progressivo do interesse e participação do cidadão comum. Este paradoxo vem estimulando estudos importantes desde a década de 70 do século passado. Richard Sennett, em seu livro O Declínio do Homem Público, sugere que a representação pública se distanciou de tal magnitude da vida cotidiana comum que se espraiou um forte sentimento de ressentimento sobre todo espaço e institucionalidade pública. O ressentimento, por sua vez, gera um profundo acanhamento do homem simples, sem poder político decisivo, que o impele a ser transparente e afetivo apenas em seu restrito círculo de confiança, no espaço íntimo, privado. Em público, desenvolveria um ameaçador cinismo político, que nega qualquer compromisso com tudo o que é público. Alain Touraine, em seu livro Poderemos Viver Juntos? sustenta que o mundo globalizado apartou a dimensão cultural (dos valores e tradições sociais) da dimensão política e econômica. A política estaria a serviço da economia globalizada, tendo como principal objetivo a criação de um ambiente de segurança para os investimentos privados, do alto capital lastreado pelo sistema financeiro. Manuel Castells sugeriu, recentemente, que o Estado teria como função primordial no mundo globalizado o de facilitador do fluxo de capital.
O mundo da política (e, com ele, os partidos políticos) se descolou do cotidiano social e vinculou-se à dinâmica econômica. Paradoxalmente, o que a tradição leninista procurava distinguir (a dimensão econômica da dimensão política) acabou desmanchando no ar. Os partidos políticos (incluindo os de esquerda) conformaram, desde a década de 80, um poderoso mercado de votos. As esquerdas não conseguiram, desde então, criar um projeto alternativo, inovador e progressista, de ampliação da representação e participação do cidadão na definição das decisões políticas. Pelo contrário, capitularam ao mercado de votos. Nas exceções, disseminaram um discurso estranho aos que pretende representar. Enfim, se enredou em lógicas estranhas à representação política.
Neste final da primeira década do século XXI o sonho de uma noite de verão se dissipou. Como dizia Puck, pela pena de Shakespeare, se tudo causou enfado, que o melhor é pensar que foi sonho, uma visão (ou uma teoria que não se revelou fértil). Mas haveria uma chance, como prediz a última fala de Oberon. Marx, ao analisar a equilvalência, retomou a busca frenética pelo amor que ser revelava no enredo infernal de Shakespeare, em que todos se amam e os amores são trocados, até que, na manhã seguinte, tudo se resolve e ocorre um casamento triplo.
2. Reatando a política com o cotidiano dos cidadãos
O fato é que o Brasil seguiu a passos rápidos o que acontece a décadas na Europa e EUA, e já se manifesta em parte da Ásia: os partidos transformaram-se em imensas máquinas de tipo empresarial em busca do voto.
Não por outro motivo, grande parte dos brasileiros que assistiu os depoimentos de dirigentes partidários envolvidos diretamente nos inúmeros casos de corrupção que assolou a política nacional, nunca havia sequer visto de relance as figuras de administradores que, de fato, movimentam fortunas, articulam negociações e acordos, definem e conduzem empresas de marketing político, comandam o cotidiano partidário.
Os partidos se transmutaram em empresas. Possuem a lógica e a estrutura de uma empresa do século XX. Seus líderes estão absolutamente descolados da vida dos militantes, justamente porque um corpo administrativo poderoso se transformou numa parede de isolamento e proteção. Típico de qualquer estrutura burocrática. O que é mais significativo é que o corpo administrativo passa a ser a face real, do poder real, dos partidos. É ele quem faz acordos e efetiva alianças, quem coordena o marketing, quem seleciona e traduz a elaboração dos técnicos e especialistas, quem define as estratégias gerais, quem comanda o cotidiano das contas e pagamentos, quem planta as notícias na grande imprensa, quem promove as tramas e intrigas, quem organiza os encontros e congressos partidários, quem estabelece as rotinas e compromissos com sindicatos e outras estruturas de representação social, quem organiza as relações entre filiados e eleitos. Secretário geral, tesoureiro, secretário de formação ou de organização, secretário de comunicação dos partidos políticos possuem um poder inimaginável para o eleitor. Constituem um poder que quase não possui ônus pessoal e quase sempre são portadores de imensos bônus. Não se expõem à luz do dia como os líderes que são chamados pela imprensa e que se arriscam nas eleições. Sua ascensão se faz pelos acordos internos, na penumbra dos corredores e salas de gabinete. É raro prestarem contas publicamente. Não se expressam bem, justamente porque não exercitam a comunicação. Acostumam-se ao discurso executivo, sumário, de quem manda.
As esquerdas, por uma trajetória tortuosa e estranha aos seus objetivos finais, foi vítima desta tentação burocrática porque ela facilita o acesso ao poder, mas destrói os laços de confiança e o diálogo entre representantes e representados. Enfim, os partidos políticos, incluindo os de esquerda, abandonaram seu papel pedagógico.
Os partidos políticos em todo o mundo e mais profundamente no Brasil não representam mais o cotidiano do homem simples, justamente porque seu cotidiano é outro, definido por este corpo administrativo partidário, escondido nos escaninhos absolutamente ignorados até mesmo da grande imprensa. Como são os administradores que dirigem o cotidiano partidário, o militante vai se tornando uma figura folclórica, saudosista. Os militantes, cada vez mais raros porque imbuídos pelo espírito voluntário, não conseguem fazer frente a esta espetacular estrutura de poder burocrática. Não são profissionalizados, não possuem os recursos materiais e políticos dos administradores. São convocados pela emoção e não pela razão. São a antítese do corpo administrativo, que considera paixões e emoções algo rasteiro e primário, ineficaz. O militante é um crente, alimentado pela utopia ou pela guerra. Mas, pouco a pouco, não entende o motivo para seu empenho não ser reconhecido no período entre eleições. Sente-se alarmado pelas notícias que lê nos jornais, envolvendo administradores em tramas que nunca havia pensado. E, gradativamente, começa a sentir o mesmo ressentimento dos homens simples, não militantes, não filiados. A crítica à alienação e passividade, que faz o militante ser militante, dificulta o divórcio total com o partido, mas fica a dúvida e certa angústia. Angústia porque o militante sente que a estrutura burocrática que domina o partido é a promessa de sociedade que será construída a partir das vitórias eleitorais. Mesmo porque ninguém ensina o que não sabe. Mas o discurso do líder, por sua vez, carregado de paixão e utopia, cria o consolo e faz a roda da militância girar. O desgaste progressivo parece natural.
Nesta engenharia política, aumenta a Corte: técnicos de marketing, institutos de pesquisa e elaboradores de programas de governo tratam diretamente com os administradores partidários e criam um staff que tem seus dias de glória nos três ou quatro meses que antecedem o dia das eleições. Não é incomum, a partir deste cenário, que os programas de campanha raramente sejam executados depois que o candidato se elege. Também não é incomum que os coordenadores de áreas programáticas das campanhas não atinjam cargos de destaque nos governos que logo se formam após a vitória. Chegam, no máximo, à equipe de transição.
Mas, se as estruturas partidárias tornam-se elementos estranhos ao cotidiano, a política pública, paradoxalmente, parece se revitalizar, ainda que timidamente. Mais um paradoxo da vida real. A revitalização não passa pelos partidos políticos. No caso brasileiro, é algo similar ao que ocorreu com as estruturas confederativas do sistema sindical. A quase totalidade dos movimentos sociais formou-se à margem das federações e confederações sindicais. Surpreendentemente, foi comum, nos anos 80, encontrar líderes de movimentos sociais que eram simultaneamente dirigentes sindicais. Questionados porque o sindicato não liderava aquele movimento e o motivo de existirem duas estruturas paralelas de organização de uma mesma base social, as respostas eram lacônicas ou confusas. Mas o mais comum era o dirigente reclamar da burocratização sindical, da incapacidade de mobilizar massas, do vício das pautas formais.
Os movimentos políticos de cunho participacionista, que procuram ampliar o controle social sobre os governos, instalando instrumentos e mecanismos públicos de gestão no interior do Estado, não nascem ou se organizam a partir dos partidos políticos.
Não existem pesquisas que aprofundem o ideário dessas lideranças participacionistas, instalados em inúmeros fóruns, redes de movimentos sociais e ongs, articulações de organismos de base. São inúmeras siglas, como ASA (Articulação do Semi-Árido), FBO (Fórum Brasil do Orçamento), FNPP (Fórum Nacional de Participação Popular), Inter-redes.
Muitas estruturas híbridas, de representação direta da sociedade civil em instâncias de deliberação de políticas públicas instalados no interior do Estado já existem. Já somam 27 mil o número de conselhos de gestão pública (de direitos e setoriais) ao longo do país. Mais de 170 municípios adotam o orçamento participativo. Segundo o IBGE, 74% dos municípios brasileiros adotam algum tipo ou instrumento de gestão participativa na condução de políticas e orçamento públicos.
Já existem diversos municípios (como Montes Claros, em Minas Gerais; Rio das Ostras, no Rio de Janeiro; e Recife) que adotam o orçamento participativo mirim. Alguns deles (como a paranaense Maringá) que possui uma lei de responsabilidade social.
O Fórum Brasil do Orçamento apresentou à Câmara Federal uma proposta de Lei de Responsabilidade Fiscal e Social, que já tramita na Comissão de Legislação Participativa daquela Casa. A lei sugere a obrigatoriedade da inclusão de metas sociais objetivas em todo ciclo orçamentário (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual) em todos entes federativos e institui Conselhos de Monitoramento em todos municípios brasileiros para avaliarem a execução das metas e elaborarem Balanços Sociais anuais. Uma seqüência de balanços negativos abriria o processo de responsabilização da autoridade pública.
Também têm início as tentativas de instalar mecanismos participacionistas nos parlamentos brasileiros. São diversas as casas legislativas que já instalaram comissões técnicas permanentes de participação popular. Está em curso a instalação, em Câmaras Municipais, de câmaras técnicas (parlamento juvenil, direitos da mulher, da terceira idade, do mundo rural) no seu interior; as audiências públicas (Câmara Itinerante), as audiências ordinárias com conselhos de gestão pública para compor o orçamento municipal. Enfim, a onda participacionista que atingiu os executivos, agora está se dirigindo aos legislativos.
Há, ainda, outros tantos exemplos que envolvem toda América Latina, principal seleiro dessas inovações. Este é o caso da Red de Solidariedad colombiana, Lei de Transparência da Informação Pública peruana, Lei Orgânica dos Municípios e conselhos comunais venezuelanos, parlamentos juvenis chilenos, comitês infantis argentinos. Europeus e asiáticos afluem à América Latina para compreender esta nova energia moral na política pública.
Exemplos como os citados acima oferecem uma pista do que poderia ser uma estrutura de representação política mais adequada ao mundo contemporâneo: organizações enraizadas nos locais de moradia, articuladas em rede e forte controle das políticas públicas. São estruturas mais representativas, também mais flexíveis, e altamente participativas. O cidadão se reconhece nessas novas estruturas.
É nossa senha para o século XXI. Talvez, a partir da sua compreensão, reformulemos o que no século XIX era o objetivo e a estrutura que fundaram os partidos políticos.
Talvez, essas novas práticas e estruturas criem as pistas para renovação dos partidos políticos. Esta é uma clara intenção das esquerdas. Se isto ocorrer, poderemos ainda denominar por muito tempo essas estruturas de representação de partidos. Mas, cá entre nós, não serão o mesmo que hoje. Muito menos o que foram no século XIX.
Rudá Ricci
Sociólogo, Doutor em Ciências Sociais, Coordenador do Instituto Cultiva e membro do Comitê Executivo Nacional do Fórum Brasil do Orçamento. E-mail: ruda@inet.com.br . Site: www.cultiva.org.br .
Houve uma vez um verão
Os partidos políticos modernos nasceram no século XIX. Eram, no início, partidos operários, funcionavam além do período eleitoral, eram compostos por um corpo de militância estável e possuíam um programa político para toda a sociedade. Eles vieram para superar o que a literatura especializada denominou de Partidos de Notáveis, que emergiram no século XVIII como clubes de lideranças burguesas que faziam uma breve campanha para que fosse definido um representante no processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Os partidos de notáveis desmontavam assim que o representante era escolhido.
Os partidos de esquerda, que no final do século XIX e início do XX, se conformaram a partir da tradição marxista, tiveram sua referência na organização militarizada que ficou desenhada por Lênin em Que Fazer? Mas, mesmo Lênin não elaborou a mesma proposta organizativa ao longo de sua vida. Em seu primeiro texto a respeito, de 1895 (Projeto e Explicação do Programa do Partido Social-Democrata), o líder bolchevique sugeria que o papel do partido político seria o de articular e unificar as lutas sociais, que seriam a verdadeira escola política das massas. Quatro anos depois, começava a esboçar uma concepção vanguardista do papel do partido. Sustentou que a luta pelo socialismo e a luta operária estariam divorciadas no cotidiano. Finalmente, em 1902, quando publica Que Fazer?, Lênin indica a premissa da construção de uma importante burocracia partidária, profissionalizada, criando uma lógica etapista da luta e formação política, que passaria da luta sindical, de caráter econômico, à luta política. Entretanto, a compreensão política do mundo não seria fruto de uma evolução natural. Surge uma relação direta entre o cotidiano operário e a alienação, de um lado; e a consciência política e a teoria revolucionária e o profissionalismo partidário, de outro. Em seu último texto (Vale quanto Pesa), contudo, Lênin reconhece que sua suposição estava equivocada. Num mea culpa duríssimo, lamenta que a relação que teria estimulado entre partido, Estado e governo teria gerado uma burocracia que se distanciava perigosamente do dia-a-dia da vida social concreta.
Este tema foi um dilema fundamental para toda a trajetória das esquerdas no século XX. Desde o debate sobre a determinação essencial do poder capitalista, se centrado no desenvolvimento das forças produtivas ou nas relações de produção, até o difícil aprofundamento sobre o caráter da alienação do trabalho. Não por outro motivo, uma das passagens mais instigantes e apaixonadas do jovem Marx trata das relações de equivalência. Embora esta passagem seja dedicada, nos Manuscritos Econômico-Filosóficos às trocas mediadas pelo dinheiro, Marx avança surpreendentemente sobre a equivalência nas relações humanas. No Terceiro Manifesto vaticina:
Suponhamos que o homem seja homem e que sua relação com o mundo seja humana. Então, o amor só poderá ser trocado por amor, confiança, por confiança, etc. Se se desejar apreciar a arte, será preciso ser uma pessoa artisticamente educada; se se quiser influenciar outras pessoas, será mister se ser uma pessoa que realmente exerça efeito estimulante e encorajador sobre as outras. Todas as nossas relações com o homem e com a natureza terão de ser uma expressão específica, correspondente ao objeto de nossa escolha, de nossa vida individual real. Se você amar sem atrair amor em troca, i. é, se você não for capaz, pela manifestação de você mesmo como uma pessoa amável, fazer-se amado, então seu amor será impotente, uma desgraça.
Um dilema que pode ser transposto, num exercício de analogia, para a representação política. Se o líder não se fizer refletido nos liderados, se o representante não se fizer legitimado nos representados, então esta relação política será impotente, uma desgraça.
Tantos outros autores, de todas as filiações que se ramificaram a partir das teorias de Marx, procuraram responder e aprofundar este dilema. Quase todos foram devorados por ele. Trotsky, no exílio mexicano, escreveu copiosamente a respeito; Gramsci, na prisão fascista, ampliou o conceito de hegemonia como cimento, ou capacidade de escuta, interpretação e fusão dos interesses difusos de vários agrupamentos sociais; Erich Fromm retomou os estudos sobre alienação; recentemente, o tema ressurgiu no seio das esquerdas a partir do debate sobre a democracia como valor universal, sem adjetivos. Mas foi nos anos 90 que, a partir da força inovadora dos movimentos sociais e conquista de espaços no interior da estrutura de Estado (principalmente na América Latina) que o cruzamento entre sociedade civil e sociedade política se cruzou e se complexificou definitivamente. Antes de entendermos com mais detalhes esta novidade dos últimos quinze anos, é importante demarcar que a crise de legitimidade dos partidos enquanto estruturas de organização de interesses e representação política nunca foi tão profunda como agora, em que a sociedade civil se fragmentou e parte de suas organizações acabou por invadir o Estado, em forma de conselhos de gestão, de participação direta na condução de orçamentos públicos, de sistemas e estruturas de monitoramento e controle social sobre políticas públicas. Não chega a ser uma mudança definitiva na política, mas revela um esboço de tendência ou tensão política.
Durante o século XX esta organização de representação política (o partido político) foi se desgastando gradativamente. Robert Michells foi o mais conhecido crítico da estrutura partidária moderna, fundamentando sua crítica a partir da teoria da Lei de Ferro da Oligarquização, que sugere a formação de oligarquias políticas e burocratização interna na tomada de decisão.
No final do século XX, ficou patente o desencanto e ressentimento generalizado com as lideranças e estruturas partidárias: desde a formação de ligas regionais na Europa, que quebraram a unidade nacional dos partidos; até mesmo a criação de estruturas em rede, envolvendo movimentos sociais e ongs, modelo adotado pelo Fórum Social Mundial.
Pesquisas recentes revelam o que parece um paradoxo entre o aumento de mecanismos de controle social e participação cidadã na gestão pública e o afastamento progressivo do interesse e participação do cidadão comum. Este paradoxo vem estimulando estudos importantes desde a década de 70 do século passado. Richard Sennett, em seu livro O Declínio do Homem Público, sugere que a representação pública se distanciou de tal magnitude da vida cotidiana comum que se espraiou um forte sentimento de ressentimento sobre todo espaço e institucionalidade pública. O ressentimento, por sua vez, gera um profundo acanhamento do homem simples, sem poder político decisivo, que o impele a ser transparente e afetivo apenas em seu restrito círculo de confiança, no espaço íntimo, privado. Em público, desenvolveria um ameaçador cinismo político, que nega qualquer compromisso com tudo o que é público. Alain Touraine, em seu livro Poderemos Viver Juntos? sustenta que o mundo globalizado apartou a dimensão cultural (dos valores e tradições sociais) da dimensão política e econômica. A política estaria a serviço da economia globalizada, tendo como principal objetivo a criação de um ambiente de segurança para os investimentos privados, do alto capital lastreado pelo sistema financeiro. Manuel Castells sugeriu, recentemente, que o Estado teria como função primordial no mundo globalizado o de facilitador do fluxo de capital.
O mundo da política (e, com ele, os partidos políticos) se descolou do cotidiano social e vinculou-se à dinâmica econômica. Paradoxalmente, o que a tradição leninista procurava distinguir (a dimensão econômica da dimensão política) acabou desmanchando no ar. Os partidos políticos (incluindo os de esquerda) conformaram, desde a década de 80, um poderoso mercado de votos. As esquerdas não conseguiram, desde então, criar um projeto alternativo, inovador e progressista, de ampliação da representação e participação do cidadão na definição das decisões políticas. Pelo contrário, capitularam ao mercado de votos. Nas exceções, disseminaram um discurso estranho aos que pretende representar. Enfim, se enredou em lógicas estranhas à representação política.
Neste final da primeira década do século XXI o sonho de uma noite de verão se dissipou. Como dizia Puck, pela pena de Shakespeare, se tudo causou enfado, que o melhor é pensar que foi sonho, uma visão (ou uma teoria que não se revelou fértil). Mas haveria uma chance, como prediz a última fala de Oberon. Marx, ao analisar a equilvalência, retomou a busca frenética pelo amor que ser revelava no enredo infernal de Shakespeare, em que todos se amam e os amores são trocados, até que, na manhã seguinte, tudo se resolve e ocorre um casamento triplo.
2. Reatando a política com o cotidiano dos cidadãos
O fato é que o Brasil seguiu a passos rápidos o que acontece a décadas na Europa e EUA, e já se manifesta em parte da Ásia: os partidos transformaram-se em imensas máquinas de tipo empresarial em busca do voto.
Não por outro motivo, grande parte dos brasileiros que assistiu os depoimentos de dirigentes partidários envolvidos diretamente nos inúmeros casos de corrupção que assolou a política nacional, nunca havia sequer visto de relance as figuras de administradores que, de fato, movimentam fortunas, articulam negociações e acordos, definem e conduzem empresas de marketing político, comandam o cotidiano partidário.
Os partidos se transmutaram em empresas. Possuem a lógica e a estrutura de uma empresa do século XX. Seus líderes estão absolutamente descolados da vida dos militantes, justamente porque um corpo administrativo poderoso se transformou numa parede de isolamento e proteção. Típico de qualquer estrutura burocrática. O que é mais significativo é que o corpo administrativo passa a ser a face real, do poder real, dos partidos. É ele quem faz acordos e efetiva alianças, quem coordena o marketing, quem seleciona e traduz a elaboração dos técnicos e especialistas, quem define as estratégias gerais, quem comanda o cotidiano das contas e pagamentos, quem planta as notícias na grande imprensa, quem promove as tramas e intrigas, quem organiza os encontros e congressos partidários, quem estabelece as rotinas e compromissos com sindicatos e outras estruturas de representação social, quem organiza as relações entre filiados e eleitos. Secretário geral, tesoureiro, secretário de formação ou de organização, secretário de comunicação dos partidos políticos possuem um poder inimaginável para o eleitor. Constituem um poder que quase não possui ônus pessoal e quase sempre são portadores de imensos bônus. Não se expõem à luz do dia como os líderes que são chamados pela imprensa e que se arriscam nas eleições. Sua ascensão se faz pelos acordos internos, na penumbra dos corredores e salas de gabinete. É raro prestarem contas publicamente. Não se expressam bem, justamente porque não exercitam a comunicação. Acostumam-se ao discurso executivo, sumário, de quem manda.
As esquerdas, por uma trajetória tortuosa e estranha aos seus objetivos finais, foi vítima desta tentação burocrática porque ela facilita o acesso ao poder, mas destrói os laços de confiança e o diálogo entre representantes e representados. Enfim, os partidos políticos, incluindo os de esquerda, abandonaram seu papel pedagógico.
Os partidos políticos em todo o mundo e mais profundamente no Brasil não representam mais o cotidiano do homem simples, justamente porque seu cotidiano é outro, definido por este corpo administrativo partidário, escondido nos escaninhos absolutamente ignorados até mesmo da grande imprensa. Como são os administradores que dirigem o cotidiano partidário, o militante vai se tornando uma figura folclórica, saudosista. Os militantes, cada vez mais raros porque imbuídos pelo espírito voluntário, não conseguem fazer frente a esta espetacular estrutura de poder burocrática. Não são profissionalizados, não possuem os recursos materiais e políticos dos administradores. São convocados pela emoção e não pela razão. São a antítese do corpo administrativo, que considera paixões e emoções algo rasteiro e primário, ineficaz. O militante é um crente, alimentado pela utopia ou pela guerra. Mas, pouco a pouco, não entende o motivo para seu empenho não ser reconhecido no período entre eleições. Sente-se alarmado pelas notícias que lê nos jornais, envolvendo administradores em tramas que nunca havia pensado. E, gradativamente, começa a sentir o mesmo ressentimento dos homens simples, não militantes, não filiados. A crítica à alienação e passividade, que faz o militante ser militante, dificulta o divórcio total com o partido, mas fica a dúvida e certa angústia. Angústia porque o militante sente que a estrutura burocrática que domina o partido é a promessa de sociedade que será construída a partir das vitórias eleitorais. Mesmo porque ninguém ensina o que não sabe. Mas o discurso do líder, por sua vez, carregado de paixão e utopia, cria o consolo e faz a roda da militância girar. O desgaste progressivo parece natural.
Nesta engenharia política, aumenta a Corte: técnicos de marketing, institutos de pesquisa e elaboradores de programas de governo tratam diretamente com os administradores partidários e criam um staff que tem seus dias de glória nos três ou quatro meses que antecedem o dia das eleições. Não é incomum, a partir deste cenário, que os programas de campanha raramente sejam executados depois que o candidato se elege. Também não é incomum que os coordenadores de áreas programáticas das campanhas não atinjam cargos de destaque nos governos que logo se formam após a vitória. Chegam, no máximo, à equipe de transição.
Mas, se as estruturas partidárias tornam-se elementos estranhos ao cotidiano, a política pública, paradoxalmente, parece se revitalizar, ainda que timidamente. Mais um paradoxo da vida real. A revitalização não passa pelos partidos políticos. No caso brasileiro, é algo similar ao que ocorreu com as estruturas confederativas do sistema sindical. A quase totalidade dos movimentos sociais formou-se à margem das federações e confederações sindicais. Surpreendentemente, foi comum, nos anos 80, encontrar líderes de movimentos sociais que eram simultaneamente dirigentes sindicais. Questionados porque o sindicato não liderava aquele movimento e o motivo de existirem duas estruturas paralelas de organização de uma mesma base social, as respostas eram lacônicas ou confusas. Mas o mais comum era o dirigente reclamar da burocratização sindical, da incapacidade de mobilizar massas, do vício das pautas formais.
Os movimentos políticos de cunho participacionista, que procuram ampliar o controle social sobre os governos, instalando instrumentos e mecanismos públicos de gestão no interior do Estado, não nascem ou se organizam a partir dos partidos políticos.
Não existem pesquisas que aprofundem o ideário dessas lideranças participacionistas, instalados em inúmeros fóruns, redes de movimentos sociais e ongs, articulações de organismos de base. São inúmeras siglas, como ASA (Articulação do Semi-Árido), FBO (Fórum Brasil do Orçamento), FNPP (Fórum Nacional de Participação Popular), Inter-redes.
Muitas estruturas híbridas, de representação direta da sociedade civil em instâncias de deliberação de políticas públicas instalados no interior do Estado já existem. Já somam 27 mil o número de conselhos de gestão pública (de direitos e setoriais) ao longo do país. Mais de 170 municípios adotam o orçamento participativo. Segundo o IBGE, 74% dos municípios brasileiros adotam algum tipo ou instrumento de gestão participativa na condução de políticas e orçamento públicos.
Já existem diversos municípios (como Montes Claros, em Minas Gerais; Rio das Ostras, no Rio de Janeiro; e Recife) que adotam o orçamento participativo mirim. Alguns deles (como a paranaense Maringá) que possui uma lei de responsabilidade social.
O Fórum Brasil do Orçamento apresentou à Câmara Federal uma proposta de Lei de Responsabilidade Fiscal e Social, que já tramita na Comissão de Legislação Participativa daquela Casa. A lei sugere a obrigatoriedade da inclusão de metas sociais objetivas em todo ciclo orçamentário (Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual) em todos entes federativos e institui Conselhos de Monitoramento em todos municípios brasileiros para avaliarem a execução das metas e elaborarem Balanços Sociais anuais. Uma seqüência de balanços negativos abriria o processo de responsabilização da autoridade pública.
Também têm início as tentativas de instalar mecanismos participacionistas nos parlamentos brasileiros. São diversas as casas legislativas que já instalaram comissões técnicas permanentes de participação popular. Está em curso a instalação, em Câmaras Municipais, de câmaras técnicas (parlamento juvenil, direitos da mulher, da terceira idade, do mundo rural) no seu interior; as audiências públicas (Câmara Itinerante), as audiências ordinárias com conselhos de gestão pública para compor o orçamento municipal. Enfim, a onda participacionista que atingiu os executivos, agora está se dirigindo aos legislativos.
Há, ainda, outros tantos exemplos que envolvem toda América Latina, principal seleiro dessas inovações. Este é o caso da Red de Solidariedad colombiana, Lei de Transparência da Informação Pública peruana, Lei Orgânica dos Municípios e conselhos comunais venezuelanos, parlamentos juvenis chilenos, comitês infantis argentinos. Europeus e asiáticos afluem à América Latina para compreender esta nova energia moral na política pública.
Exemplos como os citados acima oferecem uma pista do que poderia ser uma estrutura de representação política mais adequada ao mundo contemporâneo: organizações enraizadas nos locais de moradia, articuladas em rede e forte controle das políticas públicas. São estruturas mais representativas, também mais flexíveis, e altamente participativas. O cidadão se reconhece nessas novas estruturas.
É nossa senha para o século XXI. Talvez, a partir da sua compreensão, reformulemos o que no século XIX era o objetivo e a estrutura que fundaram os partidos políticos.
Talvez, essas novas práticas e estruturas criem as pistas para renovação dos partidos políticos. Esta é uma clara intenção das esquerdas. Se isto ocorrer, poderemos ainda denominar por muito tempo essas estruturas de representação de partidos. Mas, cá entre nós, não serão o mesmo que hoje. Muito menos o que foram no século XIX.
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