quinta-feira, 5 de agosto de 2010
Minha entrevista ao Brasil de Fato sobre sistema partidário pós-Lula
P. O governo Lula goza de uma popularidade recorde. No entanto, as pesquisas não mostram que essa aprovação deva se transformar em uma "lavada", tal como nas eleições de 1986, logo após o Plano Cruzado. O que mudou de lá pra cá? Não se transfere mais voto como antigamente?
Rudá Ricci: São várias mudanças que ocorreram de lá para cá. Uma delas é a desestruturação do sistema partidário brasileiro. O lulismo desmontou o sistema vigente e a conseqüência é que lideranças partidárias são maiores que seus partidos. Este é o caso de Aécio Neves no PSDB, Lula no PT, Marina no PV, e assim por diante. Temos, ainda, a emergência de um eleitorado mais informado e exigente, mais individualista. Metade da população brasileira é classe C. Eles são ciosos por manter sua ascensão social. O que quero dizer é que não temos mais os currais eleitorais que transferiam votos. O que temos é uma espécie de eleitor médio que avalia individualmente os candidatos e tenta se certificar das vantagens e garantias que terá. Finalmente, as eleições atuais dependem da televisão e da rede de operadores políticos regionais. Estes operadores são mais que os velhos cabos eleitorais. Eles influenciam na avaliação e interpretação do que se vê na televisão. Tudo para dizer que a competição entre candidaturas é muito mais individualizada e profissional que antes. Se o candidato fosse Lula, a eleição (todos sabemos) já estaria decidida.
P. Essa eleição mostra que PT e PSDB estão lançando menos cabeças de chapas para os governos estaduais e privilegiando alianças. O que representa esse cenário?
RR: É uma situação das mais instigantes e peculiares. A polarização entre lulistmo e tucanos paulistas levou à uma espécie de “tudo ou nada” para os dois lados. Veja que não é efetivamente o interesse de seus partidos. Serra joga um tudo ou nada para se manter como cacique tucano. Se perder, encerra sua carreira política e, possivelmente, o eixo da direção tucana sai também de São Paulo. Portanto, para os dirigentes paulistas do PSDB, o que interessa é vencer em São Paulo e ganhar as eleições presidenciais. No caso do lulismo, o interesse é eleger Dilma. Não é exatamente o interesse do PT, como vimos em vários Estados, incluindo Minas Gerais e Maranhão, para citar apenas dois. Mas o lulismo se impôs na definição das alianças. Por quê? Porque com a vitória de Dilma diminui sensivelmente o poder do eixo centro-sul do país na política nacional, região mais conservadora do país e mais anti-Lula. Com isto, o lulismo abre várias possibilidades de ação para o próximo período: desde o retorno de Lula em 2014 até a ampliação do arco de alianças do lulismo, incluindo aí tucanos não paulistas. As alianças apontam, ainda, cada vez mais para a formação de um “bloco no poder” (para utilizar o conceito de Poulantzas) que envolveria lulismo, tucanos não paulistas e PMDB. Tal aliança seria imbatível e já foi esboçada, pouco a pouco, nos últimos anos.
P. Alguns partidos da base aliada, notadamente o PSB, devem ter um desempenho recorde, em sua história, com bom número de governadores eleitos, sobretudo no nordeste. O que isso pode acarretar. Esses partidos teriam mais força num eventual governo de Dilma Roussef?
RR: Pelo contrário. O poder seria dos governadores eleitos, não de seus partidos. O sistema partidário brasileiro é um dos mais frágeis da América Latina e é tema de toda uma literatura regional. Mas o lulismo debelou ainda mais este sistema. Retornamos a uma espécie de Partido dos Notáveis, nome que os partidos levavam quando foram criados, no século XVIII. Existem núcleos de apoiadores ao redor de líderes que fazem acordos com líderes de outros partidos, sem qualquer cerimônia. Os partidos possivelmente terão mais força num eventual governo Serra. Num eventual governo Dilma, os partidos voltam a ter força se o PT conseguir diminuir o poder do lulismo. Caso contrário, o lulismo será a sombra do governo Dilma e continuará criando constrangimentos para dirigentes de seu partido. Continuará promovendo alianças que conformarão um bloco político que ultrapassa os partidos. Isto é o lulismo. Aliás, ele será uma sombra qualquer que seja o presidente eleito em outubro.
P. A eleição de 2010 pode ter um resultado simbólico: o DEM pode pela primeira vez não ter nenhum governador. Isso tem um caráter simbólico de fim da influência do partido pró ditadura no cenário político?
RR: Sim. A direita já não se representa nos partidos brasileiros. Mas o pensamento conservador ainda é dominante no sistema partidário. O que quero afirmar? Que não podemos nos enganar: não existe um partido de direita no Brasil (possivelmente o DEM sumirá ou se fundirá com outro partido após outubro), mas o pensamento conservador e até reacionário continua imperando na cultura política nacional. Se infiltrou em vários partidos que antes eram declaradamente de esquerda. Vários deles se tornaram o partido da ordem. E defendem uma agenda social-liberal. É esta natureza conservadora que propicia a aproximação de líderes que são de partidos adversários. Porque, de fato, só são diferentes enquanto pessoas físicas. Como pessoas jurídicas são muito próximos.
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3 comentários:
"A direita já não se representa nos partidos brasileiros. Mas o pensamento conservador ainda é dominante no sistema partidário. O que quero afirmar? Que não podemos nos enganar: não existe um partido de direita no Brasil (possivelmente o DEM sumirá ou se fundirá com outro partido após outubro), mas o pensamento conservador e até reacionário continua imperando na cultura política nacional." essa resposta me remete a atuação das Igrejas - pela seu caráter anti-democrático por execelência; impõem-se pela crença e não admitem contestação ou ( o que é pior...)sequer permitem a discussão, e inserem-se em contextos políticos de forma indireta, com suas posturas inflexíveis. Esse é , para mim, o caminho em que "o pensamento conservador ainda é dominante no sistema partidário".
voce vê essa questão?
Pelas pesquisas que temos em mãos, fico na dúvida sobre o que é causa e efeito. A cultura brasileira é ambivalente (conservadora e progressista, moralista e libertina etc). Os brasileiros intrumentalizam a religião. Coordenei uma pesquisa sobre perfil dos católicos na região de BH e tivemos o mesmo resultado a respeito do perfil do católico de Roma (as pesquisas foram realizadas quase simultaneamente): proliferava uma "religiosidade privada". O católico praticante quer o silêncio e refúgio da igreja, a proteção e não necessariamente a comunidade marcada pela solidariedade. O que penso é que a ala progressista das igrejas perde força porque a população praticante é mais conservadora. A velha história de quem nasceu primeiro (embora pesquisa divulgada esta semana afirme que a galinha veio antes do ovo).
"O que penso é que a ala progressista das igrejas perde força porque a população praticante é mais conservadora" será? è realmente um dilema tostines...não tenho como avaliar - sequer conceituar - o que seria população conservadora; mas sei o que é uma igreja conservadora e suas ações nesse sentido.
De toda sorte, obrigado por resposta .
Bom FDS e bom dia dos pais!
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