Gosto e respeito muito Dom Demétrio. Estivemos juntos por diversas vezes, principalmente durante a última Semana Social Brasileira, que assessorei. Trata-se de uma liderança franca, reflexiva e aberta ao debate. Quando do estouro do escândalo do mensalão, fui convidado para falar para vários bispos. Por respeito (e um pouco de temor) pedi para conversar antes com Dom Demétrio. Expus que o que sabia chocaria muito os presentes, alguns agentes pastorais que, eu tinha conhecimento, tinham depositado muita esperança no governo Lula. Cheguei a adiantar algumas informações e a linha que adotaria na minha exposição. Dom Demétrio respirou fundo e disse que a verdade sempre era o melhor caminho. Fiz a análise e quase apanhei de um padre. Mas Dom Demétrio estava ao lado, garantindo que a verdade (a minha verdade, ao menos) pudesse ser ouvida.
Por esta e por outras, reproduzo o artigo de Dom Demétrio, abaixo. Concordo com seu conteúdo, adianto. Tenho ojeriza a qualquer fundamentalismo, religioso ou político que, aliás, são irmãos siameses. Mas publico, também, porque se constitui num documento histórico, que abre embate público entre progressistas e ultra-conservadores da CNBB.
DESMONTE DE UMA FALÁCIA
D. Demétrio Valentini
A questão do aborto está sendo instrumentalizada para fins eleitorais. Esta situação precisa ser esclarecida e denunciada. Está sendo usada uma questão que merece toda a atenção e isenção de ânimo para ser bem situada e assumida com responsabilidade, e que não pode ficar exposta a manobras eleitorais, amparadas em sofismas enganadores. Nesta campanha eleitoral está havendo uma dupla falácia, que precisa ser desmontada. Em primeiro lugar, se invoca a autoridade da CNBB para posições que não são da entidade, nem contam com o apoio dela, mas se apresentam como se fossem manifestações oficiais da CNBB. Em segundo lugar, se invoca uma causa de valor indiscutível e fundamental, como é a questão da vida, e se faz desta causa um instrumento para acusar de abortistas os adversários políticos, que assim passam a ser condenados como se estivessem contra a vida e a favor do aborto.
Concretamente, para deixar mais clara a falácia, e para urgir o seu desmonte:
A Presidência do Regional Sul 1 da CNBB incorreu, no mínimo, em sério equívoco quando apoiou a manifestação de comissões diocesanas, que sinalizavam claramente que não era para votar nos candidatos do PT, em especial na candidata Dilma.
Ora, os Bispos do Regional já tinham manifestado oficialmente sua posição diante do processo eleitoral. Por que a Presidência do Regional precisava dar apoio a um documento cujo teor evidentemente não correspondia à tradição de imparcialidade da CNBB? Esta atitude da Presidência do Regional Sul 1 compromete a credibilidade da CNBB, se não contar com urgente esclarecimento, que não foi feito ainda, alertando sobre o uso eleitoral que está sendo feito deste documento assinado pelos três bispos da presidência do Regional. Esta falácia ainda está produzindo conseqüências. Pois no próprio dia das eleições foram distribuídos nas igrejas, ao arrepio da Lei Eleitoral, milhares de folhetos com a nota do Regional Sul 1, como se fosse um texto patrocinado pela CNBB Nacional. E enquanto este equívoco não for desfeito, infelizmente a declaração da Presidência do Regional Sul 1 da CNBB continua à disposição da volúpia desonesta de quem a está explorando eleitoralmente. Prova deste fato lamentável é a fartura como está sendo impressa e distribuída.
Diante da gravidade deste fato, é bem vindo um esclarecedor pronunciamento da Presidência Nacional da CNBB, que honrará a tradição de prudência e de imparcialidade da instituição. A outra falácia é mais sutil, e mais perversa. Consiste em arvorar-se em defensores da vida, para acusar de abortistas os adversários políticos, para assim impugná-los como candidatos, alegando que não podem receber o voto dos católicos. Usam de artifício, para fazerem de uma causa justa o pretexto de propaganda política contra seus adversários, e o que é pior, invocando para isto a fé cristã e a Igreja Católica. Mas esta falácia não pára aí. Existe nela uma clara posição ideológica, traduzida em opção política reacionária. Nunca relacionam o aborto com as políticas sociais que precisam ser empreendidas em favor da vida. Votam, sem constrangimento, no sistema que produz a morte, e se declaram em favor da vida. Em nome da fé, julgam-se no direito de condenar todos os que discordam de suas opções políticas. Pretendem revestir de honestidade, uma manobra que não consegue esconder seu intento eleitoral. Diante desta situação, são importantes, e necessários, os esclarecimentos. Mais importante ainda é a vigilância do eleitor, que tem todo o direito de saber das coisas, também aquelas tramadas com astúcia e malícia.
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