Por Glauco Faria[13 de outubro de 2010 - 19h22]
O feriado religioso de 12 de outubro rendeu novos episódios de exploração eleitoral sobre o aborto. Diversos panfletos timbrados como se fossem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) contra Dilma Rousseff (PT) foram distribuídos perto das entradas da Basílica de Aparecida, no interior paulista. A panfletagem teria ocorrido também em outras lugares, como em Contagem (MG) e já se consolida como um dado dessa campanha.
Curiosamente, a “onda” conservadora católica (que conta com o apoio também de algumas igrejas evangélicas) é bem maior agora do que foi no pleito de 2006, quando Geraldo Alckmin, supostamente membro do Opus Dei, foi candidato. Dom Demetrio Valentim, bispo de Jales e presidente da Cáritas brasileira, criticou a atitude da Presidência da Regional Sul 1 da CNBB (que abrange as dioceses de São Paulo) em assinar o material contra a candidata petista. “Nunca relacionam o aborto com as políticas sociais que precisam ser empreendidas em favor da vida. Votam, sem constrangimento, no sistema que produz a morte, e se declaram em favor da vida”, disse em carta, criticando os autores da propaganda.
Mas a pergunta que fica para muitos é: onde está a igreja progressista, o setor católico que já foi voz ativa em momentos importantes da história brasileira como a ditadura militar, a redemocratização e mesmo em debate políticos mais recentes? Segundo sociólogo Rudá Ricci, um dos fatores que proporcionou essa guinada à direita foi um racha entre os adeptos da Teologia da Libertação dentro da igreja católica. “Nos últimos anos, as assembleias nacionais da CNBB estabeleceram um acordo interno. A presidência ficava com forças que eram consideradas de centro e as pastorais sociais, que é quem de fato faz as políticas, ficavam com os setores identificados com a Teologia da Libertação, mais progressistas”, explica. “O que ocorreu? Houve um afastamento muito grande dos quadros intermediários das pastorais sociais, que chamamos de agentes pastorais, em relação ao governo Lula. E também ocorreram alguns casos mais emblemáticos como a transposição do rio São Francisco, que colocou a Pastoral da Terra quase toda contra o governo.”
Ou seja, houve uma pauta extensa que a igreja ligada à Teologia da Libertação elaborou nas últimas décadas e que teve muitas dificuldades para negociar com o governo. Assim, suas opções no processo eleitoral se pulverizaram. “Esse grupo, majoritário na CNBB rachou em três correntes. Uma, que acredito ser a maior, resolveu se afastar do mundo partidário-eleitoral e achou que estava muito difícil apoiar qualquer um dos candidatos a presidente. Um outro grupo, importantíssimo, apoiou Marina, que é o caso de nomes como Frei Betto e Leonardo Boff. E um terceiro se aproximou do Plínio mais por uma questão de afinidade histórica.”
O racha abriu caminho para a emergência dos setores mais conservadores. “Com essa divisão, principalmente das pastorais, os padres fundamentalistas ligados ao movimento carismático e de direita passaram a ter uma força que não tinha e se aliaram com o centro”, conta Ricci. “Na última assembleia, todos os porta-vozes que falavam com a imprensa eram de direita. Houve uma mudança no equilíbrio interno de forças da CNBB. Quem fez campanha declarada no final da campanha do primeiro turno foi justamente essa direita.”
Ainda que, agora, membros da igreja progressista como Dom Demetrio Valentim se manifestem, o setor pode ter perdido um precioso tempo no debate dentro e fora do catolicismo. “A hegemonia conservadora ganhou. A gente perdeu a disputa cultural no país, os valores mais conservadores, anti-pluralistas, anti-republicanos e fundamentalistas ganharam espaço nessas eleições”, analisa Ricci.
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