Eleições 2010 e a Questão Meridional
Por RUDÁ RICCI
Chegamos às portas das eleições 2010. Há muito em jogo, principalmente para as intenções do lulismo e para sua oposição. Qualquer que seja o resultado, o Brasil do dia 4 será muito distinto politicamente. Em caso de segundo turno, o lulismo sofrerá um arranhão que dará sobrevida à oposição. Em caso de vitória do lulismo no primeiro turno, a oposição estará desmantelada e as acusações mútuas não serão mais contidas. O lulismo governará como força absoluta por mais quatro anos, podendo influenciar nas eleições municipais que ocorrerão dois anos depois. Projeção do DIAP sugere que as forças governistas terão ampla maioria na Câmara Federal e no Senado.
O tema sociológico mais instigante, contudo, é que esta eleição desnudou a nossa sempre aguda questão meridional. Gramsci é o autor mais citado quando esta divisão nacional emerge na pauta política nacional. Para o autor italiano, a contradição (ou oposição) regional significava mais que uma condição social desigual, mas também uma contradição entre classes. Afirmava que a unificação do território nacional (que foi tardio na Itália em relação aos outros países europeus, com exceção da Alemanha) gerou migração do dinheiro líquido de uma região para outra. Numa elaboração que parece ter como foco o Brasil, Gramsci critica a acusação que a porção menos abastada da Itãlia seria marcada pela falta de iniciativa. Ao contrário, afirma que a desigualdade territorial teria sido fundada nas opções do Estado monárquico e no capitalismo setentrional. Em suma, um assalto do Estado por forças industriais atrasadas politicamente. Chega a afirmar que houve saque da burguesia do norte dos impostos e recursos naturais do sul, explorando mão-de-obra barata e concentrando a riqueza industrial numa porção do território nacional. O Estado teria se constituído a partir de uma burocracia formada por indivíduos capturados dos grupos dirigentes do território conquistado.
Embora caricatural, a descrição de Gramsci dá pistas para entender a questão meridional brasileira, expressa na disputa eleitoral deste ano e que revela, ainda, o motivo da popularidade do lulismo. A questão meridional foi tema de Celso Furtado e Chico de Oliveira, dentre tantos. O que interessa compreender é que desde o governo FHC, houve um lento processo de transferência de pólos industriais para o nordeste e norte do país, tendo na instalação de uma planta industrial da Ford na Bahia como emblema. Assim como foi se consolidando o centro da agroindústria nacional num território peculiar do país que agrega centro-oeste, Triângulo Mineiro e região de Ribeirão Preto. Faltava, contudo, criar condições para a emergência de um mercado consumidor significativo da porção marginalizada do território nacional. O lulismo promoveu este “milagre” da inserção pelo consumo. Lembremos que o Bolsa Família concentra-se no nordeste (47% dos benefícios).
O professor da Universidade Federal de Alagoas, Cícero Péricles, revelou que nos últimos seis anos mais de 400 mil nordestinos retornaram à sua cidade de origem. Em parte, segundo Péricles, reflexo do Bolsa Família e da Previdência, mas não só. Segundo o PNAD/IBGE, o trabalhador nordestino conseguiu contribuir para a diminuição das desigualdades de renda entre as regiões em 2008, mas ainda segue com o menor salário das cinco regiões brasileiras. A renda média mensal do trabalhador no Nordeste chegou a R$ 685 - pouco mais da metade da média nacional no ano, que ficou em R$ 1.036. No Piauí, que apresenta o pior índice entre os Estados, essa renda foi de apenas R$ 586. Em 2008, o trabalhador da região obteve o maior ganho de rendimentos, de 5,4%, enquanto no país esse aumento foi de 1,7%. Em 2008, a região Nordeste foi a que apresentou a maior redução no grupo de um a três anos de estudo dos trabalhadores (-12,9%) e segundo maior ingresso de pessoas no mercado de trabalho com mais de 11 anos de estudo (11,2%), só perdendo para a região Norte (11,9%). No país, esse crescimento foi menor (8,5%). Mas a pesquisa revela que a concentração de rendimentos entre os que ganham mais cresceu entre 2007 e 2008 no Nordeste, ao contrário do que ocorreu no Sul, Sudeste e Norte.
A mudança do patamar social e prestígio do centro-norte do país ficaram plasmados na figura do Presidente da República. Ocorreu uma identidade de origem e trajetória pessoal. A figura de José Serra como candidato da oposição apenas contribuiu para reforçar a identidade que já era forte entre Lula e a emergência do mercado consumidor interno, de massas e faminto.
O que o centro-sul não compreende é que o centro-norte carrega a mágoa das zombarias infantis que sempre foram desferidas a eles pelo centro-sul: indolência, falta de ambição, atraso, falta de instrução, território do coronelismo e curral eleitoral, baixo processo civilizatório.
A eleição 2010 expressou o troco da mágoa do centro-norte e a revolta da aristocracia política do centro-sul. Por vezes, o discurso dos sulistas me fez recordar o desespero e revolta da aristocracia italiana estampadas nas páginas de O Leopardo, de Tomasi de Lampedusa. No livro, entretanto, Don Fabrizio demonstra sabedoria e resignação em relação ao que lhe parece inevitável, a mudança do perfil social de seu país. No Brasil, estes predicados do velho aristocrata italiano não parecem tão evidentes.
Um comentário:
Excelente análise!
parabéns!
abraço
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