Neste ano, esta semana marca uma efeméride importante no reconhecimento legal dos direitos humanos das crianças e adolescentes do Brasil, já que no dia 13 de Julho comemoram-se os 20 anos da aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). A importância dos 20 anos é muito grande, porque essas duas décadas marcam o nascimento de uma geração e representam o tempo de desenvolvimento e capacidade para que ela, já formada, tenha condições de originar outra geração, tempo suficiente para forjar consciência em relação à lei. Teoricamente, alcançar essa data colocaria em festa todas as pessoas que acreditam em uma sociedade centrada no ser humano, em especial na criança e no adolescente, pois serão estes que darão continuidade à história do povo brasileiro. Logo, tratar a infanto-adolescência com todas as condições de vida e garantir que não lhes falte nada no aspecto material e afetivo, seria o lógico, e, portanto, uma lei como o ECA seria a síntese desse desejo, já que a declaração é o compromisso escrito do povo brasileiro com os meninos e meninas.
O compromisso afirmado pelo povo brasileiro de ter a infanto-adolescência como seu principal valor há duas décadas pela promulgação do ECA e o fato de o Brasil hoje se encontrar em um processo de desenvolvimento que o coloca entre as seis principais economias do mundo, condição que supera a possibilidade de ausência de recursos para realizar as necessidades dos meninos e meninas do país, deveria nos deixar, enquanto cidadãos brasileiros, muitos felizes. No entanto, quando passamos a vasculhar a situação das crianças e adolescentes, são outros aspectos que saltam aos olhos. Um deles é o olhar que a sociedade repousa sobre os meninos e meninas que, com a ajuda da grande mídia, coloca esta parcela da população como responsável pelas mazelas existentes no país e, sobretudo, como chaga da violência. A grande mídia cria uma falsa idéia de que os meninos e meninas estão mais violentos e não se digna de fazer a correta análise conjuntural da violência, que na verdade indica o contrário: a população infanto-juvenil representa o segmento mais abatido com a violência, que tem sido estrutural no país. Prova disso são os dados do Observatório da Favela/Unicef e Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República que dão conta da morte de 5.500 adolescentes por ano no Brasil.
Verificamos também que as políticas de atendimento destinadas à infância e à adolescência ainda são frágeis ou inexistentes. O processo de reordenamento institucional está longe de alcançar o que está estabelecido na legislação, que previu prazo de 90 dias da promulgação da lei para que essas alterações ocorressem. A situação mais visível desse desrespeito tem sido as unidades de internação para os adolescentes autores de ato infracional. Em muitos lugares, essas instituições mudam de nome, mas não alteram as práticas ultrapassadas e violadoras dos direitos da criança e do adolescente, desrespeitando o que prevê a lei. Grave ainda é a situação do órgão criado a fim de zelar e controlar tanto o estado quanto a própria sociedade para garantir que os direitos das crianças e adolescentes sejam respeitados. O Conselho Tutelar, que deve existir em todos os municípios, não raro tem uma estrutura precária e pouco conhecimento acerca do seu papel e reconhecimento da sua importância. Talvez por isso a sua ação tem sido aquém do que a legislação lhe reservou, atuando muitas vezes de forma a contrariar a própria lei. Outra problemática diz respeito ao Sistema de Justiça, inclusive o Ministério Público, que por diversos motivos não internalizou em sua cultura e estrutura a lei, situação que tem levado à permissividade de diversas violações de direitos de meninos e meninas. Um retrato dessa situação diz respeito à aplicação das medidas socioeducativas de internação. Um levantamento da Secretaria Especial dos Direitos Humanos aponta que 40% dos adolescentes internados em São Paulo não deveriam estar cumprindo medida de privação de liberdade.
Um dos motivos pelos quais são provocadas essa e outras situações é a ausência de disciplina obrigatória voltada especificamente para os Direitos da Criança e do Adolescente nos currículos dos cursos de Direito, mesmo após determinação do Ministério da Educação, que em 2009 tornou obrigatória a inclusão da matéria nos cursos. Atitude parecida foi tomada pelo Conselho Nacional de Justiça, que obrigou, em 2008, a inclusão dos conteúdos do ECA nos concursos para Juízes, posição que não foi seguida pelo Conselho Nacional do Ministério Público. Apesar de todos os desafios, entendo que nem tudo foi negativo. Tivemos a ampliação do debate acerca do papel e das diretrizes do ECA, embora boa parte do conteúdo da discussão, pautada principalmente por uma mídia despreparada e que não tem demonstrado preocupação em qualificar seu olhar sobre a complexidade do tema, não tenha a profundidade necessária. Porém, retirar esse debate dos círculos dos pequenos grupos que atendem crianças e adolescentes e ampliá-lo para a sociedade, com equívocos ou não, foi o grande avanço que o ECA possibilitou nessas suas duas décadas de existência. Assim, a sociedade brasileira passou a debater a situação dos meninos e meninas, nos levando a uma maior compreensão da situação que os envolve, tanto do ponto de vista do desenvolvimento quanto das necessidades para que seus direitos sejam assegurados, sem perder de vista a condição de prioridade absoluta de políticas públicas que a Constituição Federal define para infância e adolescência.
Podemos avaliar diversos aspectos que nos levam a entender que pouco avançamos no que diz respeito ao reconhecimento da cidadania de crianças e adolescentes. Porém, a constatação pessimista não pode nos tornar céticos em relação à Lei, que nos traz a dimensão do desafio que temos pela frente, para de fato, construirmos as condições de efetivar outro projeto de sociedade que coloque na centralidade a infanto-adolescência!
sábado, 10 de julho de 2010
20 anos de ECA
Por Givanildo M. Da Silva (Blog: http://infanciaurgente.blogspot.com)
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