quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Uma escolha radical da Argentina

Acabo de postar um comentário sobre a política argentina e me deparo com a matéria de César Felício publicada na primeira página do Valor Econômico de hoje. Coincidência discriminatória: não dá para chegar perto da competência de César Felício.
Mas este Ministro da Economia da Argentina, cá entre nós, é uma notícia em si.
Vale a leitura:

Uma escolha radical da Argentina. Um keynesiano em sentido único assume como ministro da Economia

Em 2001, ano em que a Argentina foi à bancarrota e teve que desvalorizar a sua moeda, um dos muitos atingidos pela crise foi um bar chamado Espero Infinito, no bairro portenha de Palermo Hollywood. O local, famoso pelos recitais de música que trazia todas as quintas-feiras, foi a única experiência conhecida no mundo privado do economista Axel Kicillof, de 42 anos, o novo ministro da Economia do país, que tomará posse hoje.
A reportagem é de César Felício e publicada pelo jornal Valor, 20-11-2013.
O estilo alternativo é uma das heranças que Kicillof ainda cultiva de seu tempo na cena cultural de Buenos Aires. Jamais visto de gravata no Ministério da Economia, seu visual se destaca pelas camisas sociais entreabertas e as longas costeletas no rosto. Kicillof é informal mesmo em suas exposições institucionais, como quando chamou de "palhaços" e "imbecis" os que se opuseram à estatização da petroleira YPF, em 2012, oportunidade em que ainda definiu as expressões "ambiente de negócios" e "segurança jurídica" como "horríveis".
Após sua breve experiência como empresário, Kicillof se firmou como um especialista na história das ideias econômicas na Universidade de Buenos Aires (UBA). Escreveu "Fundamentos da Teoria Geral: As Consequências Teóricas de Lord Keynes", um livro de 498 páginas, dois anos depois de "De Smith a Keynes, Sete Lições de História do Pensamento Econômico", de 372 páginas.
Kicillof costuma ser tachado de marxista, mas se irrita com esse rótulo. "É um adjetivo usado para agitar fantasmas."
Seu pensamento é firmemente intervencionista. "Quando há problemas de contração econômica, o que se necessita é fazer uma política monetária expansionista, que contribui para reduzir as taxas de juros de forma a facilitar a liquidez e o crédito. Isso está em qualquer manual", disse, ao expor o Orçamento de 2013 ao Senado, justificando a expansão da emissão monetária no patamar de 40% ao ano.
"Trata-se de um keynesiano em sentido único: defende a política fiscal expansionista e não vê necessidade de moderar o gasto público", comentou, em reserva, o economista-chefe de uma entidade empresarial.
Kicillof é frequentemente tachado de marxista, desde que foi nomeado vice-ministro da Economia. Mas ele se irrita com o rótulo. "É um adjetivo usado para agitar fantasmas que a imprensa tem. Sou um estudioso do marxismo", disse num programa de TV simpático ao governo.
Em público, a nomeação de Kicillof foi elogiada no mundo de negócios, com comentários positivos do magnata do petróleo Alejandro Bulgheroni, do grupo Bridas, do dono da Corporação América, Eduardo Eurnekian, do presidente da Associação de Bancos, Jorge Brito, entre outros.
A nomeação não foi surpresa no meio empresarial, dado a fraqueza do titular do cargo até esta semana, Hernán Lorenzino. De fato, era Kicillof, como vice-ministro, que conduzia a política de remuneração das empresas do setor de petróleo e energia. Foi ele que ocupou o primeiro plano para anunciar subsídio para o setor habitacional e o aumento da carga tributária sobre o setor do biodiesel.
Nas tensas negociações comerciais entre Argentina e Brasil, era Kicillof que costumava trazer a posição da Casa Rosada. Lorenzino se ocupava apenas dos temas ligados à dívida externa. Mesmo o operador das barreiras comerciais que afetaram o Brasil, o secretário do Comércio Interior, Guillermo Moreno, deixou de ter protagonismo nessas reuniões, segundo relato de diplomatas argentinos e de membros do governo brasileiro.
Como vice-ministro, raras vezes Kicillof se pronunciou sobre o país vizinho. "Estamos muito vinculados com a economia brasileira. Quando o Brasil vai mal, isso se faz sentir na Argentina de maneira imediata. Não acreditem que negando o que se passa no Brasil vamos fazer com que os fenômenos deixem de existir", disse na exposição do Orçamento, justificando problemas econômicos argentinos como decorrência do desaquecimento da economia brasileira.
Sua aproximação com a corrente peronista La Campora, liderado pelo filho da presidente Cristina Kirchner, Máximo Kirchner, começou a ser gestada quando ainda era aluno da UBA e montou o movimento estudantil Tontos Mas Não Tanto, para disputar o poder nos centros acadêmicos contra o rival Franja Morada, corrente universitária do partidoUnião Cívica Radical (UCR), de centro-direita. Com companheiros dessa época, ele criou, já como professor universitário, o Cenda, um centro de estudos de esquerda.
Foi desse posto que Kicillof foi recrutado por Mariano Recalde, o novo presidente da então recém-estatizada Aerolineas Argentinas, para se tornar seu assessor como subgerente financeiro da empresa, em 2009. Em seu período no cargo, a estatal aumentou seu prejuízo anual de US$ 563 milhões para US$ 666 milhões, um resultado atribuído por Recalde a fatores externos, como a suspensão de voos pela erupção do vulcão Puyuhue, no Chile.
Da Aerolineas, Kicillof foi designado por Cristina, em 2011, para representar o Estado na diretoria da Siderar, uma subsidiária do grupo Techint. O governo argentino havia estatizado dois anos antes os fundos de pensão, que detinham 26% do capital da empresa. A nomeação causou grande resistência do conglomerado siderúrgico, o maior grupo privado na Argentina, que temeu por uma gradual estatização.
Segundo relatam os jornalistas Esteban Rafele e Pablo Fernandez Blanco no livro "Os Patrões da Argentina", o acionista majoritário, Paolo Rocca, só levantou suas objeções depois de receber garantias da própria presidente Cristina, por meio de um interlocutor, de que não haveria um avanço do Estado sobre o controle da empresa.
Do ponto de vista prático, a presença de Kicillof no conselho não alterou o desenvolvimento do grupo empresarial, que ainda em 2011 compraria o controle da brasileira Usiminas. No plano retórico, houve tensão. Em 2012 Rocca publicamente criticou o governo argentino pela perda de competitividade do país. Já como vice-ministro, Kicillof foi duro ao comentar: "Ele não conhece o desempenho de sua própria empresa. Podíamos baixar o preço da chapa de aço para quebrá-lo, mas não vamos fazer isso".

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