O padrão moral brasileiro sempre foi motivo de interesse sociológico. Somos uma mescla de festa pagã e ritual religioso. O ritual religioso é, como já havia compreendido Reginaldo Prandi (e detalhado em estudos sobre a religiosidade medieval por Carlo Ginzburg), uma bricolagem, uma composição de valores, crenças e doutrinas as mais díspares.
Uma primeira hipótese é que nosso "fervor" religioso seria utilitário: tememos, antes de adorarmos, sermos punidos pela frouxidão. Uma noção primária e atávica (no caso, originária da pregação jesuíta aos desatentos indígenas que viviam no litoral brasileiro) do pecado original. Caso não seguíssemos o interesse das armas e da cruz, dá-lhe Missões (Luis Mir escreveu um tratado sobre esta desventura em seu O Partido de Deus). Nossa religiosidade nasceria, então, do avesso do avesso.
Outra hipótese, não excludente da primeira, seria nossa carência (ou excesso) afetiva. Algo entre o "homem cordial" de Sérgio Buarque de Holanda - aquele que necessita do contato direto com o líder, marcado pela deferência, pelo contato físico, pelo carinho - e a busca da proteção e mando paterno de Freud. As duas possibilidades levam à forte necessidade de proximidade física e tendência à idolatria. Talvez tenha relação com nossa história de dominação quase estamental, onde a maioria dos brasileiros nunca esteve do lado de dentro do poder político, sendo, antes, cortejada como "menoridade" intelectual, necessitada de proteção do mais forte.
A questão é que a revolta é latente, o que nos leva à escala emocional entre a infância e a adolescência da nossa cultura política. Não conseguimos atingir, de fato, a maturidade da autonomia, do controle sobre as instituições políticas. Mas nos revoltamos. E com certa freqüência.
Toda esta elucubração para compreender este imã que figuras como Joaquim Barbosa e Marina Silva acabam gerando de tempos em tempos. A atração pelas duas personalidades, acredito, surge por motivos quase antagônicos relacionados com esta realidade que citei acima.
Joaquim é pai severo. Aponta o dedo e não tolera perda de tempo. A ansiedade pela justiça divina é traço revelador. O personagem carrega, ainda, um elemento de revanche porque é negro. Um representante das camadas mais humilhadas de nossa população, com poder e intolerância típicas do pai mais severo da nossa cartilha patriarcal tem algo de revanche, repito.
Marina é o outro lado. É nossa origem ingênua e pura, reclamando um lugar que nunca nos é dado. Marina nunca entra no jogo. Quando entra, é como se afirmasse que existe e que sabe jogar como os adultos, se for necessário. Quando o faz, se afirma e deixa de ser "café com leite". Mas só para demonstrar que sabe jogar porque este não é seu lugar. Logo volta no canto da sala. Todos fingem que não percebem sua presença, mas temem nova traquinagem.
Estes sentimentos difusos se articulam na nossa "menoridade" política.

Leio seu artigo às gargalhadas. O que defines como necessidade do contato direto com o líder, marcada pela deferência, pelo contato físico, pelo carinho vejo como baba-ovismo, necessidade do aspone de demonstrar de maneira cabal ao seu chefe sua subserviência em troca de alguma benesse ou promoção. Produtividade não é o que interessa. E sua busca da proteção e mando paterno não passa de obter aquele backup do mesmo chefe para praticar todo tipo de vileza contra os que não são bem quistos e geralmente estes são aqueles indivíduos que procuram se impor pela competência no ato de produzir e desta forma tornam-se ameaçadores por não participarem do beija-mão cotidiano. É interessante observar como intelectuais como o senhor procuram escamotear esta verdadeira praxis de quadrilha que caracteriza nossa sociedade com definições e até algumas hipérboles, tudo no sentido de não botar o dedo na ferida. Tentam embelezar ao monstro. A revolta latente citada para mim resulta da baixa produtividade de uma tal sociedade, que atesta o progresso material conquistado por Europa e EUA e a distância cada vez maior dela, sociedade brasileira, deste alto padrão que se reflete no consumo das populações destas áreas do globo.
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